* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Prisão domiciliar decretada
Talvez a decisão judicial mais comentada dos últimos anos acaba de ser publicada: a decretação da prisão preventiva domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A decisão se deu no bojo do processo em que Bolsonaro é réu por tentativa de golpe de Estado (Petição 14129, vinculada à Ação Penal 2668).
Além da prisão, houve, também, a determinação de busca e apreensão na casa do ex-presidente, além da proibição de visitas (com exceção dos advogados e pessoas previamente autorizadas).
O motivo da prisão preventiva foi o descumprimento de medidas cautelares impostas em julho de 2025, dentre as quais destacam-se:
- Proibição de ausentar-se da comarca com uso de tornozeleira eletrônica e recolhimento domiciliar no período noturno;
- Proibição de aproximação e acesso a sedes de Embaixadas e Consulados de países estrangeiros;
- Proibição de manter contato com Embaixadores, autoridades estrangeiras, e demais réus ou investigados;
- Proibição de utilização de redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros.
Importante destacar que a medida cautelar de proibição de utilização de redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros, inclui as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros.
Como determina o artigo 312, §1º, do Código de Processo Penal, a prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.

A medida cautelar descumprida ,que serviu de fundamento para a decretação da prisão preventiva, foi a proibição de utilização de redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros.
Desrespeito às medidas cautelares
Segundo o ministro Alexandre de Moraes, Bolsonaro já havia mostrado a tornozeleira eletrônica e proferido discurso para ser exibido nas redes sociais, mas como foi um fato isolado, achou por bem o ministro em manter as cautelares.
Entretanto, no dia 03/08/25, o ex-presidente, por meio das redes sociais, participou de atos de apoio às medidas norte americanas voltadas a coagir o Supremo Tribunal Federal (o chamado tarifaço de Trump).

Moraes afirma, na decisão, que o ex-presidente utilizou redes sociais de aliados – incluindo seus três filhos parlamentares – para divulgar mensagens com “claro conteúdo de incentivo e instigação a ataques ao Supremo Tribunal Federal e apoio ostensivo à intervenção estrangeira no Poder Judiciário brasileiro”.
Moraes foi incisivo:
“O flagrante desrespeito às medidas cautelares foi tão óbvio que, repita-se, o próprio filho do réu, o senador Flávio Nantes Bolsonaro, decidiu remover a postagem realizada em seu perfil, na rede social Instagram, com a finalidade de omitir a transgressão legal”.
Essa foi a gota d’água que resultou na decretação da prisão preventiva.
Alexandre de Moraes entendeu, agora, que o descumprimento das medidas cautelares não se trata mais de um fato isolado, mas de um comportamento reiterado de Bolsonaro, o que seria suficiente para atrair a aplicação do artigo 312, §1º, do CPP.
Moraes ressaltou, em sua decisão:
“…A JUSTIÇA É CEGA, MAS NÃO É TOLA.
A JUSTIÇA NÃO PERMITIRÁ QUE UM RÉU A FAÇA DE TOLA, ACHANDO QUE FICARÁ IMPUNE POR TER PODER POLÍTICO E ECONÔMICO.
A JUSTIÇA É IGUAL PARA TODOS. O RÉU QUE DESCUMPRE DELIBERAMENTE AS MEDIDAS CAUTELARES – PELA SEGUNDA VEZ – DEVE SOFRER AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”
Ao fim da recente decisão, o ministro Moraes determinou:
- Decretação da prisão preventiva domiciliar;
- Proibição de visitas, salvo de seus advogados e pessoas previamente autorizadas previamente pelo STF; e
- Proibição de uso de celular, diretamente ou por meio de terceiros.
Medidas cautelares
Segundo a lição do magistral professor Gustavo Cordeiro, “as medidas cautelares pessoais constituem instrumentos processuais destinados a assegurar a eficácia do processo penal, mediante restrição temporária de direitos fundamentais do investigado ou acusado. Assim, distinguem-se das medidas cautelares reais por incidirem sobre a liberdade ambulatorial e direitos conexos, não sobre o patrimônio”.
O artigo 282, do Código de Processo Penal, trata sobre as medidas cautelares, estabelecendo dois requisitos fundamentais e cumulativos para aplicação de qualquer medida cautelar:
1º) Necessidade: a medida deve ser imprescindível para:
- Aplicação da lei penal;
- Adequada investigação ou instrução criminal;
- Evitar a prática de infrações penais (nos casos expressamente previstos).
2º) Adequação: a medida deve observar proporcionalidade com:
- A gravidade do crime;
- As circunstâncias do fato;
- As condições pessoais do indiciado ou acusado.
Esses requisitos atuam como verdadeiros filtros processuais que impedem a aplicação arbitrária de medidas restritivas. A necessidade relaciona-se ao periculum libertatis, enquanto a adequação materializa o princípio da proporcionalidade.
É comum que juízes apliquem, concomitantemente à prisão domiciliar, medida cautelar de monitoração eletrônica, conforme permissão do artigo 318-B, do código de processo penal: “A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código”.
As medidas cautelares diversas da prisão são (artigo 319, do CPP):
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX - monitoração eletrônica.
Objetivo da monitoração eletrônica
A monitoração eletrônica tem por objetivo inibir a fuga ou o descumprimento das medidas impostas ao réu, e pode ser executada através de:
- Pulseira;
- Tornozeleira;
- Cinto; e
- Microchip
A jurisprudência tem entendimento consolidado de que o rol do artigo 319 possui natureza meramente exemplificativa, ou seja, o poder geral de cautela autoriza o magistrado a determinar medidas não expressamente previstas, desde que observados os requisitos de necessidade e adequação, como foi o caso de Jair Bolsonaro (proibição de uso de redes sociais).
Podemos citar como exemplos de cautelares inominadas:
- Limitação de acesso a sistemas informatizados;
- Proibição de concessão de entrevistas;
- Entrega de passaporte ou documentos;
- Proibição de uso de redes sociais; e
- Vedação de participação em eventos públicos.
Ótimo tema para provas de direito processual penal. Portanto, muita atenção!
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