STJ – REsp 1537530 – A omissão estatal na disponibilização de banho aquecido em presídios: violação à dignidade dos custodiados

STJ – REsp 1537530 – A omissão estatal na disponibilização de banho aquecido em presídios: violação à dignidade dos custodiados

Introdução

O sistema prisional brasileiro vem sendo alvo de inúmeras críticas devido às condições precárias oferecidas aos detentos.

Um dos pontos mais controversos diz respeito ao fornecimento de água quente para o banho dos presos, especialmente em regiões com invernos rigorosos, como é o caso do estado de São Paulo.

Recentemente, após anos de disputa judicial, foi firmado um acordo entre a Defensoria Pública e o governo do estado de São Paulo para garantir o fornecimento de água quente nas unidades prisionais:

Presos em SP terão banho com água quente após acordo com a Defensoria

Este artigo analisará os aspectos jurídicos envolvidos nessa questão, bem como as implicações da recente decisão para o sistema penitenciário paulista e para os direitos humanos dos detentos, à luz da Constituição Federal e dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

A questão do banho quente para os presos em São Paulo não é recente.

Em 2013, a Defensoria Pública do estado ajuizou uma ação civil pública visando obrigar o Estado a disponibilizar equipamentos para banho dos presos em temperatura adequada.

O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2017, que determinou a instalação de chuveiros aquecidos em todas as unidades prisionais do estado:

Estado de São Paulo deverá fornecer banho quente a presidiários

A decisão do STJ baseou-se em diversos fundamentos legais e princípios constitucionais, incluindo:

Banho quente para presos

Fundamentação constitucional e internacional

Constituição Federal do Brasil

A Constituição Federal de 1988 estabelece princípios fundamentais que, embora não mencionem explicitamente o direito ao banho quente, são interpretados de forma a garantir condições dignas aos detentos, incluindo:

Artigo 1º, inciso III: "A República Federativa do Brasil (...) tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana". Este princípio fundamental é a base para a interpretação de que condições básicas de higiene, incluindo o banho quente, são parte integrante da dignidade humana.

Artigo 5º, inciso III: "Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante". A ausência de banho quente, especialmente em regiões de clima frio, pode ser interpretada como um tratamento desumano ou degradante.

Artigo 5º, inciso XLIX: "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral". O banho quente é considerado parte da manutenção da integridade física e moral dos presos, especialmente considerando os riscos à saúde associados ao banho frio em climas frios.

Tratados e Convenções Internacionais

O Brasil é signatário de diversos tratados internacionais que, embora não mencionem especificamente o banho quente, estabelecem princípios de tratamento humanitário aos presos:

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), Artigo 5º:

“Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.”

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966, ratificado pelo Brasil em 1992), Artigo 10:

“Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana.”

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, 1969, ratificado pelo Brasil em 1992), Artigo 5º, item 2:

“Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.”

Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras de Mandela, atualizadas em 2015), Regra 16:

Devem ser fornecidas instalações adequadas para banho e chuveiro, de modo que cada preso possa tomar banho ou chuveiro, com água a uma temperatura adequada ao clima, com a frequência necessária à higiene geral, de acordo com a estação do ano e a região geográfica, mas pelo menos uma vez por semana em um clima temperado.”

A Decisão do STJ e seus fundamentos

No julgamento do REsp 1.537.530-SP, o ministro Herman Benjamin, relator do caso, enfatizou que a omissão do Estado em fornecer banho quente aos presos fere a dignidade humana e constitui violação massificada aos direitos humanos. Assim, o ministro argumentou que:

O banho quente não é um privilégio, mas um direito básico ligado à saúde e dignidade dos detentos;

A exposição a banhos frios, especialmente em períodos de baixa temperatura, pode agravar ou desencadear doenças;

O Estado tem o dever de garantir condições mínimas de saúde e higiene aos presos sob sua custódia.

O STJ entendeu que, quando estão em jogo aspectos elementares da dignidade da pessoa humana – um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro, conforme o artigo 1º da Constituição Federal – é impossível subordinar direitos indisponíveis a critérios que não sejam os constitucionais e legais.

Veja em resumo a decisão do STJ:

O Acordo recente e suas implicações

Em agosto de 2024, após mais de 20 anos de discussão na Justiça, a Defensoria Pública firmou um acordo com o governo de São Paulo para o fornecimento de água quente nas prisões do estado.

Os principais pontos do acordo são:

  • Instalação de chuveiros aquecidos em áreas comuns de todas as unidades do estado;
  • Prazo de 90 dias para o governo apresentar um Plano de Trabalho;
  • 18 meses para concluir a instalação em todas as unidades penitenciárias;
  • Multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento, limitada a 30 dias.

Portanto, este acordo representa um avanço significativo na garantia dos direitos dos detentos e no cumprimento das determinações judiciais anteriores, alinhando-se com os princípios constitucionais e as normas internacionais de direitos humanos

Análise Crítica

A decisão de fornecer banho quente aos presos suscita debates sobre a alocação de recursos públicos e os limites da intervenção judicial em políticas penitenciárias.

Alguns argumentos contrários à medida incluem:

  • O alto custo de implementação em um sistema já sobrecarregado;
  • A percepção pública de que os presos estariam recebendo “privilégios”;
  • A alegação de ingerência do Judiciário nas atribuições do Executivo.

No entanto, é importante ressaltar que conforme entendimento do STF/STJ já sedimentado:

  • O respeito aos direitos humanos não é negociável, mesmo em situações de escassez de recursos;
  • A melhoria das condições carcerárias pode contribuir para a redução de doenças e, consequentemente, dos gastos com saúde no sistema prisional;
  • O Judiciário tem o dever constitucional de garantir o cumprimento dos direitos fundamentais, inclusive dos detentos.

Como o tema já caiu em provas

CESPE / CEBRASPE - 2022 - PC-ES - Delegado de Polícia

A omissão injustificada da administração pública em providenciar a disponibilização de banho quente nos estabelecimentos prisionais fere a dignidade dos presos sob sua custódia (Certo).

Conclusão

A decisão do STJ em 2017 no caso do banho quente para presos em São Paulo representa um marco importante na jurisprudência brasileira sobre direitos humanos e condições prisionais. Ela demonstra uma postura ativa do Judiciário na proteção dos direitos fundamentais, baseada na interpretação conjunta da Constituição Federal e dos tratados internacionais de direitos humanos.

Além disso, esta decisão reafirma o princípio de que deve-se respeitar a dignidade humana dos presos, independentemente da natureza de seus crimes ou das dificuldades administrativas e financeiras do Estado. Tal postura está alinhada com os compromissos internacionais do Brasil em matéria de direitos humanos e com os princípios fundamentais da Constituição Federal.

Nesse sentido, o acordo firmando visando a implementação do banho quente nas prisões de São Paulo, embora desafiadora do ponto de vista logístico e financeiro, é um passo crucial para adequar o sistema prisional paulista às normas nacionais e internacionais de tratamento de pessoas privadas de liberdade. Ao cabo, o que temos é um “acordo” para cumprir uma decisão do STJ.


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