A recente decisão que anulou provas obtidas por câmeras instaladas sem autorização judicial para monitorar a residência de um investigado (RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 203030 – SC) levanta uma questão essencial: existe, de fato, violação de direitos fundamentais quando se trata de observação em via pública?
A Constituição protege a intimidade e a vida privada, mas essa proteção se estende ao espaço externo da residência? O argumento da nulidade das provas, com base em suposta quebra da cadeia de custódia e violação da privacidade, merece (respeitosamente) uma análise crítica e aprofundada.
Explicação do caso
Um investigado acusado de furto de energia elétrica, abuso de confiança e tráfico de drogas pleiteou o trancamento da ação penal e a revogação de sua prisão preventiva.
A principal argumentação da defesa foi a ilegalidade das provas obtidas por meio de uma câmera de vigilância instalada em via pública, direcionada para sua residência, sem prévia autorização judicial.
A defesa sustentou que essa vigilância violaria a privacidade do investigado, caracterizando uma ação controlada indevida. Além disso, apontou que houve comprometimento da cadeia de custódia das imagens, tornando as provas ilícitas.
Está pronto para começar a preparação para concursos de Carreiras Jurídicas? Os cursos do Estratégia Carreiras Jurídicas são o que você precisa para alcançar a aprovação!
Aspectos jurídicos relevantes
Expectativa razoável de privacidade em via pública
A Constituição Federal garante a intimidade e a vida privada, conforme o art. 5º, inciso X, mas essa proteção não é absoluta e deve ser analisada dentro de cada contexto.
O direito à privacidade se aplica ao ambiente doméstico, onde há uma expectativa de sigilo. Em espaços públicos, porém, essa garantia não se mantém, pois é possível observar livremente a movimentação das pessoas. Além disso, qualquer conduta ilícita exposta ao olhar alheio não pode ser beneficiada com essa proteção, pois quem age dessa forma, consciente dos riscos, abdica de sua privacidade.
A expectativa razoável de privacidade é um critério essencial nesse debate. Se algo pode ser observado por qualquer transeunte, não há justificativa para proibir o registro dessa observação por meios tecnológicos. Como bem pontuou o ministro Gilmar Mendes:
“A Constituição que assegura o direito à intimidade, à ampla defesa, ao contraditório e à inviolabilidade do domicílio é a mesma que determina punição a criminosos e o dever do Estado de zelar pela segurança pública.” (RHC 229514 AgR, Relator: Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 02-10-2023)
Ou seja, não se pode utilizar os direitos fundamentais como um escudo para a prática de ilícitos. Se um policial pode observar e relatar uma movimentação suspeita, não há motivo lógico para impedir que uma câmera registre essa observação.
Diferença entre Vigilância e Ação Controlada

Outro ponto crucial é a distinção entre simples vigilância e ação controlada. A ação controlada, prevista no artigo 53, II, da Lei 11.343/06, exige autorização judicial para retardar a intervenção policial, a fim de colher mais provas sobre uma organização criminosa. No entanto, no caso em análise, não há indícios de que a instalação da câmera tenha configurado uma ação controlada.
A câmera apenas registrou a movimentação do investigado em espaço público, algo que poderia ser feito por qualquer agente policial de forma presencial. Não houve manipulação da dinâmica dos fatos nem retardamento de flagrante com o objetivo de aprofundar a investigação. Assim, a exigência de autorização judicial para tal medida cria um entrave desnecessário à atividade investigativa.
Ausência de violação a Direitos Fundamentais
A exigência de decisão judicial para instalação de câmeras em via pública parte da premissa errônea de que houve invasão de privacidade. No entanto, a privacidade protegida constitucionalmente refere-se ao interior da residência, onde há uma expectativa legítima de intimidade. Do portão para fora, essa expectativa desaparece.
Consequências da Decisão
A anulação das provas obtidas no caso concreto cria um perigoso precedente para investigações criminais. A decisão pode dificultar o combate a crimes como tráfico de drogas, corrupção e furtos recorrentes, pois restringe desnecessariamente a coleta.
Além disso, impõe um ônus desproporcional às autoridades policiais, que precisariam de autorização judicial para utilizar mecanismos legítimos de vigilância em locais públicos. Isso pode gerar impunidade e fragilizar a segurança pública.
O ideal é que o Poder Judiciário adote uma interpretação mais equilibrada, que resguarde os direitos fundamentais sem inviabilizar o dever do Estado de investigar e punir crimes. O monitoramento de vias públicas por câmeras, seja por particulares ou pelo poder público, não pode ser tratado como um abuso, mas sim como uma ferramenta essencial para a efetividade da persecução penal.
Conclusão
A decisão judicial que anulou provas obtidas por câmeras instaladas em via pública sem autorização judicial desconsidera um ponto essencial: não há violação de privacidade em locais acessíveis ao público. A Constituição protege a intimidade, mas essa proteção se restringe ao espaço doméstico, não se estendendo à observação externa da residência.
A exigência de autorização judicial para monitoramento de vias públicas cria um entrave desnecessário à investigação criminal e pode enfraquecer o combate ao crime. A jurisprudência deve reconhecer que direitos fundamentais não podem ser utilizados como escudo para a prática de ilícitos, e que o Estado tem o dever de garantir a segurança pública de forma eficiente.
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!
Está pronto para começar a preparação para concursos de Carreiras Jurídicas? Os cursos do Estratégia Carreiras Jurídicas são o que você precisa para alcançar a aprovação!