Nova causa de aumento no crime de fornecimento de bebida alcoólica a menores: Lei nº 15.234/2025

Nova causa de aumento no crime de fornecimento de bebida alcoólica a menores: Lei nº 15.234/2025

Prof. Gustavo Cordeiro

Introdução: O legislador endurece a proteção da infância e juventude

Em 7 de outubro de 2025, foi sancionada a Lei nº 15.234/2025, que promoveu importante alteração no art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A nova lei criou uma causa de aumento de pena para o crime de fornecimento de bebida alcoólica ou produtos causadores de dependência a crianças e adolescentes, elevando a punição quando houver efetivo consumo da substância pela vítima.

A mudança legislativa tem impacto direto na dogmática penal e na prática dos operadores do direito. Para o candidato a concursos de Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública e Delegado de Polícia, compreender o alcance e os fundamentos da Lei nº 15.234/2025 é essencial — afinal, inovações legislativas recentes são temas prediletos das bancas examinadoras.

Este artigo tem um objetivo claro: explicar, de forma didática e estratégica, as mudanças promovidas pela nova lei, analisar seus aspectos dogmáticos e demonstrar como o tema pode ser cobrado nas próximas provas.

O que mudou com a Lei nº 15.234/2025?

A Lei nº 15.234/2025 acrescentou um parágrafo único ao art. 243 do ECA, estabelecendo:

Art. 243, parágrafo único, ECA: A pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se a criança ou o adolescente utilizar ou consumir o produto.

Vale lembrar que o crime do art. 243 do ECA é formal: consuma-se com a simples prática de qualquer uma das condutas típicas (vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar), independentemente de a criança ou o adolescente efetivamente consumir a bebida alcoólica ou o produto capaz de causar dependência.

Agora, com a Lei nº 15.234/2025, o legislador criou uma causa especial de aumento de pena: se houver consumo efetivo por parte da vítima, a pena será aumentada de 1/3 até a metade.

Estrutura dogmática do art. 243 do ECA após a Lei nº 15.234/2025

Para compreender plenamente a inovação legislativa, é fundamental revisar a estrutura completa do crime previsto no art. 243 do ECA.

Redação completa do art. 243 do ECA

Art. 243, ECA: Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica:

Pena: detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.

Parágrafo único: A pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se a criança ou o adolescente utilizar ou consumir o produto.

Bem jurídico protegido

O bem jurídico tutelado é a saúde física e psíquica de crianças e adolescentes, assim como o seu desenvolvimento sadio e integral. O crime protege os menores de 18 anos contra substâncias que possam comprometer seu desenvolvimento biopsicossocial.

Sujeito ativo

Trata-se de crime comum: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, pois o tipo penal não exige qualidade ou condição especial do agente. Assim, pode responder pelo crime tanto o comerciante que vende bebida alcoólica em estabelecimento comercial quanto o particular que fornece gratuitamente bebida em uma festa.

Sujeito passivo

O sujeito passivo é:

  • Criança: pessoa com até 12 anos incompletos (art. 2º do ECA);
  • Adolescente: pessoa entre 12 e 18 anos incompletos (art. 2º do ECA).

Tipo objetivo: as condutas típicas

O art. 243 do ECA é um tipo misto alternativo, pois prevê múltiplas condutas que, se praticadas no mesmo contexto fático contra a mesma vítima, configuram crime único. As condutas são:

  • Vender: comercializar mediante pagamento;
  • Fornecer: proporcionar, dar, disponibilizar;
  • Servir: oferecer diretamente ao consumo;
  • Ministrar: aplicar, administrar;
  • Entregar: transferir a posse ou propriedade.

Importante: a lei expressamente prevê que as condutas podem ser praticadas gratuitamente. Portanto, não é necessário que haja contraprestação econômica para a configuração do crime.

Objeto material

O objeto material do crime pode ser:

  • Bebida alcoólica: qualquer substância que contenha álcool etílico em sua composição (cerveja, vinho, destilados etc.);
  • Outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica: desde que fornecidos sem justa causa (ex.: cola de sapateiro, solventes, medicamentos controlados).

Elemento normativo: “sem justa causa”

bebida alcoólica

O tipo penal contém um elemento normativo que exige valoração do julgador: sem justa causa.

Se houver justificativa legítima para o fornecimento (como o médico que prescreve medicamento controlado necessário ao tratamento de uma criança), não haverá tipicidade material da conduta.

Elemento subjetivo

O crime é punido apenas na modalidade dolosa (dolo direto ou eventual). Não existe previsão legal de modalidade culposa (art. 18, parágrafo único, do Código Penal).

O dolo consiste na vontade livre e consciente de praticar qualquer das condutas típicas (vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar) sabendo que o destinatário é criança ou adolescente.

Consumação e tentativa

O crime do art. 243 do ECA é formal (ou de consumação antecipada): consuma-se com a simples prática de qualquer uma das condutas típicas, independentemente de resultado naturalístico.

Assim:

  • Não é necessário que a criança ou o adolescente efetivamente consuma a bebida alcoólica ou o produto;
  • Não é necessário que haja dano efetivo à saúde da vítima;
  • Basta a mera prática da conduta para que o crime se consume.

A tentativa é perfeitamente admissível. Exemplo: o comerciante tenta vender cerveja a um adolescente, mas é impedido pela polícia antes de efetivar a entrega.

Classificação doutrinária

O crime do art. 243 do ECA é classificado como:

  • Crime comum: não exige qualidade especial do sujeito ativo;
  • Crime formal: independe de resultado naturalístico;
  • Crime de perigo: não exige dano efetivo ao bem jurídico, bastando a situação de perigo;
  • Crime subsidiário: só se aplica se o fato não constituir crime mais grave (ex.: tráfico de drogas);
  • Tipo misto alternativo: contém múltiplas condutas que, se praticadas no mesmo contexto, configuram crime único.

A nova causa de aumento de pena: análise dogmática

A Lei nº 15.234/2025 acrescentou o parágrafo único ao art. 243 do ECA, criando uma causa de aumento de pena (também chamada de majorante):

Parágrafo único: A pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se a criança ou o adolescente utilizar ou consumir o produto.

Natureza jurídica da majorante

Trata-se de causa especial de aumento de pena, isto é, uma circunstância legal que, uma vez presente, obriga o juiz a aumentar a pena-base em patamar fixado em lei. No caso, o aumento varia de 1/3 até a metade.

A majorante não altera a natureza formal do crime. O art. 243 do ECA continua sendo crime formal, que se consuma com a simples prática das condutas típicas. O consumo efetivo pela vítima é mero exaurimento do crime, que agora passou a ser valorado como circunstância majorante da pena.

Quando incide a majorante?

A majorante incide quando a criança ou o adolescente efetivamente utiliza ou consome o produto (bebida alcoólica ou substância causadora de dependência).

Importante: não é necessário que haja dano efetivo à saúde da vítima. Basta que o consumo tenha ocorrido para que a pena seja majorada.

A majorante se aplica em qualquer situação?

Sim. A lei não fez distinção entre bebida alcoólica e outros produtos causadores de dependência. Portanto, a majorante incide tanto nos casos de fornecimento de bebida alcoólica quanto nos casos de fornecimento de substâncias como cola de sapateiro, solventes ou medicamentos controlados (quando fornecidos sem justa causa).

Como o juiz deve aplicar a majorante?

O aumento de pena varia de 1/3 até a metade. O juiz deve utilizar critérios de proporcionalidade e razoabilidade para fixar o quantum do aumento dentro desse intervalo, considerando circunstâncias como:

  • Quantidade de substância consumida;
  • Frequência do fornecimento;
  • Idade da vítima (se criança ou adolescente);
  • Eventual dano à saúde da vítima (embora não seja requisito para a incidência da majorante, pode ser considerado na dosimetria).

Momento de aplicação da majorante na dosimetria da pena

A causa de aumento de pena é aplicada na terceira fase da dosimetria (art. 68 do Código Penal):

  1. Primeira fase: fixação da pena-base (art. 59 do CP);
  2. Segunda fase: aplicação de agravantes e atenuantes (arts. 61 a 66 do CP);
  3. Terceira fase: aplicação de causas de aumento e de diminuição de pena.

Reflexões críticas sobre a Lei nº 15.234/2025

A criação da causa de aumento de pena no art. 243 do ECA suscita algumas reflexões dogmáticas e político-criminais:

A majorante não altera a natureza formal do crime

O crime do art. 243 do ECA continua sendo formal. A consumação ocorre com a simples prática das condutas típicas, independentemente do consumo efetivo pela vítima.

O consumo, quando ocorre, é mero exaurimento do crime, agora valorado como circunstância que majora a pena.

A majorante reforça a tutela penal da infância e juventude

A Lei nº 15.234/2025 reflete uma escolha político-criminal de reforçar a proteção de crianças e adolescentes. Ao majorar a pena nos casos de consumo efetivo, o legislador reconheceu que a lesividade concreta da conduta é maior quando a vítima efetivamente consome a substância.

Possível problema probatório

Na prática, a aplicação da majorante exigirá prova de que a vítima efetivamente consumiu o produto. Isso pode gerar dificuldades probatórias, especialmente em casos de fornecimento de bebida alcoólica em festas ou eventos, nos quais pode ser difícil comprovar o consumo individualizado.

A majorante não se confunde com resultado naturalístico

Não é necessário que haja dano efetivo à saúde da vítima para a incidência da majorante. Basta que o consumo tenha ocorrido, ainda que não tenha havido intoxicação, embriaguez ou qualquer lesão à saúde.

Relação com a Súmula 669 do STJ

A Súmula 669 do STJ, editada em 2024, estabelece:

Súmula 669, STJ: O fornecimento de bebida alcoólica a criança ou adolescente, após o advento da Lei n. 13.106, de 17 de março de 2015, configura o crime previsto no art. 243 do ECA.

A Súmula 669 pacificou o entendimento de que, após a Lei nº 13.106/2015, o fornecimento de bebida alcoólica a menores de 18 anos configura crime (e não mais contravenção penal, como era anteriormente).

A Lei nº 15.234/2025 não altera esse entendimento, mas o complementa: o fornecimento de bebida alcoólica a menores continua sendo crime do art. 243 do ECA, porém, se houver consumo efetivo pela vítima, a pena será majorada de 1/3 até a metade.

Como o tema pode ser cobrado em concursos públicos?

A Lei nº 15.234/2025 é novidade legislativa e, portanto, tem grande potencial de cobrança nas próximas provas. Veja como o tema pode aparecer:

Enunciado (Questão inédita — estilo CESPE/CEBRASPE):

João, proprietário de um bar, vendeu uma garrafa de cerveja a Pedro, adolescente de 16 anos. Pedro consumiu toda a bebida no interior do estabelecimento. João foi denunciado pelo crime do art. 243 do ECA. Considerando a situação hipotética e a legislação vigente, assinale a alternativa correta:

(A) O crime não se consumou, pois é necessário que a vítima efetivamente consuma a bebida alcoólica para a configuração do delito.

(B) O crime se consumou com a entrega da bebida a Pedro, independentemente do consumo, mas a pena de João será aumentada de 1/3 até a metade em razão do consumo efetivo.

(C) A conduta de João configura contravenção penal, nos termos do art. 63, I, do Decreto-Lei 3.688/1941.

(D) O consumo efetivo da bebida por Pedro transforma o crime formal em crime material, alterando o momento consumativo.

(E) A majorante prevista no parágrafo único do art. 243 do ECA só se aplica se houver dano efetivo à saúde de Pedro.

Gabarito: B

Explicação didática:

(A) Incorreta: O crime do art. 243 do ECA é formal, consumando-se com a simples prática de qualquer das condutas típicas (vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar), independentemente de a vítima consumir o produto. O consumo é circunstância que majora a pena, mas não é requisito para a consumação.

(B) Correta: O crime se consumou no momento em que João vendeu (ou entregou) a bebida alcoólica a Pedro, pois o art. 243 do ECA é crime formal. No entanto, como Pedro efetivamente consumiu a bebida, incide a causa de aumento de pena prevista no parágrafo único do art. 243, acrescentado pela Lei nº 15.234/2025, que majora a pena de 1/3 até a metade.

(C) Incorreta: Após a Lei nº 13.106/2015, o fornecimento de bebida alcoólica a menores configura crime (art. 243 do ECA), e não mais contravenção penal. A Súmula 669 do STJ pacificou esse entendimento. O art. 63, I, do Decreto-Lei 3.688/1941 foi tacitamente revogado pela Lei nº 13.106/2015.

(D) Incorreta: O consumo efetivo não transforma o crime formal em crime material. O art. 243 do ECA continua sendo crime formal, que se consuma com a simples prática das condutas típicas. O consumo é mero exaurimento do crime, valorado pela lei como circunstância que majora a pena.

(E) Incorreta: A majorante prevista no parágrafo único do art. 243 do ECA não exige dano efetivo à saúde da vítima. Basta que a criança ou o adolescente utilize ou consuma o produto para que a pena seja aumentada. O dano à saúde pode ser considerado na dosimetria da pena, mas não é requisito para a incidência da majorante.

Fechamento Estratégico: O que você deve memorizar sobre a Lei nº 15.234/2025

  1. Inovação legislativa: A Lei nº 15.234/2025 acrescentou o parágrafo único ao art. 243 do ECA, criando causa de aumento de pena de 1/3 até a metade quando a criança ou o adolescente efetivamente utilizar ou consumir o produto.
  2. Natureza formal do crime: O art. 243 do ECA continua sendo crime formal, que se consuma com a simples prática das condutas típicas, independentemente do consumo pela vítima.
  3. Consumo como exaurimento: O consumo efetivo pela vítima é exaurimento do crime, valorado pela lei como circunstância que majora a pena.
  4. Não é necessário dano à saúde: A majorante incide pelo simples fato de a vítima ter consumido o produto, independentemente de ter sofrido dano efetivo à saúde.
  5. Relação com a Súmula 669 do STJ: A Súmula 669 do STJ continua válida. O fornecimento de bebida alcoólica a menores configura crime do art. 243 do ECA. A Lei nº 15.234/2025 complementa esse entendimento ao majorar a pena nos casos de consumo efetivo.
  6. Dosimetria da pena: A causa de aumento é aplicada na terceira fase da dosimetria (art. 68 do Código Penal).
  7. Critérios para fixação do quantum da majorante: O juiz deve considerar circunstâncias como quantidade de substância consumida, frequência do fornecimento, idade da vítima e eventual dano à saúde (embora este último não seja requisito para a incidência da majorante).

Conclusão: A proteção penal reforçada da infância e juventude

A Lei nº 15.234/2025 representa mais um passo no processo de endurecimento da tutela penal de crianças e adolescentes. Ao criar causa de aumento de pena nos casos de consumo efetivo de bebida alcoólica ou substâncias causadoras de dependência, o legislador reconheceu que a lesividade concreta da conduta é maior quando a vítima efetivamente consome o produto.


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