Em audiência de custódia, juiz determina a retirada de algema de preso e é duramente criticado

Em audiência de custódia, juiz determina a retirada de algema de preso e é duramente criticado

Olá, pessoal. Aqui é o professor Allan Joos e hoje vou comentar uma decisão de um magistrado que gerou bastante polêmica nas redes sociais.

Algema

Segundo imagens que circularam nas redes sociais, em uma audiência de custódia, um juiz determinou a retirada das algemas de um preso. Isso ocorreu mesmo após policial penal informar que estava sozinho na sala com três presos e, em razão disso, solicitar a manutenção das algemas.

Segundo demonstrado nos vídeos, o juiz contestou a situação. Ele afirmou que se não era possível manter o preso sem algemas, iria deixar de fazer a audiência e determinaria o envio do preso ao fórum para a prática do ato. Na sequência, o policial retira as algemas do preso e a audiência se inicia.

Com efeito, a discussão gira em torno da possibilidade ou não de uso de algemas em situações como a que fora noticiada e a adequada interpretação da Súmula Vinculante nº 11, do Supremo Tribunal Federal.

O teor e a finalidade da Súmula Vinculante nº 11

A partir do julgamento do Habeas Corpus nº 91.952 editou-se a Súmula Vinculante nº 11, que tem por finalidade coibir o uso abusivo de algemas. Eis o texto da referida Súmula:

"Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere."

Assim, o emprego de algemas deve observar determinados requisitos, fundamentais, para que o ato praticado durante o seu uso seja válido:

  1. Excepcionalidade: o emprego de algemas deve ser uma exceção justificada e não a regra.
  2. Justificativa por escrito e fundamentada: a autoridade responsável deve fundamentar, por escrito, as razões para o uso das algemas.
  3. Motivação na resistência, risco de fuga ou perigo à integridade física própria ou alheia: havendo concretamente alguma(s) destas hipóteses, pode haver o uso de algemas.
  4. Consequência do uso indevido: na hipótese de as algemas serem usadas sem a justificativa adequada, o ato processual será nulo e a autoridade responsável será responsabilizada disciplinar, civil e penalmente.

No caso em análise, o grande questionamento que surge é se a situação narrada justificaria o emprego das algemas.

Do ato judicial em concreto (audiência de custódia)

Também para entendermos a corretude ou não da decisão do juiz, é importante que se entenda a finalidade do ato e o contexto que levou o juiz a proferir a decisão.

No que tange à audiência de custódia, trata-se de um instrumento previsto no artigo 310 do Código de Processo Penal e que decorre da previsão contida na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, artigo 7.5).

A finalidade da audiência de custódia é permitir que uma pessoa presa em flagrante seja apresentada rapidamente a um juiz, para que este avalie a legalidade da prisão, a necessidade da manutenção da custódia e eventuais atos de tortura. Todo o procedimento da audiência de custódia foi regulamentado pela Resolução nº 213/2015 do CNJ e que foi uma das principais iniciativas que viabilizaram a atual previsão na legislação processual penal.

Nesse contexto, por se tratar de um ato judicial, deve também o juiz observar os regramentos contidos na Súmula Vinculante nº 11 e garantir a legalidade do ato, sob pena de responsabilização pessoal pelo seu descumprimento.

De sua vez, percebe-se que a justificativa dada pelo policial penal não autoriza, por si só, o reconhecimento de alguma das exceções contidas na referida súmula, ainda que isso ocorra sob a afirmação de eventual risco à sua segurança. Isso porque é dever do Estado garantir a segurança nos estabelecimentos prisionais e não pode, sob essa justificativa, transferir esse ônus ao custodiado.

Quando exigiu a retirada das algemas, percebe-se que a intenção da autoridade judiciaria não foi agir arbitrariamente, mas sim respeitar os limites da súmula, que impõe ao Estado o ônus de justificar excepcionalmente o uso de meios coercitivos (algemas).

A necessidade de resguardo da segurança do policial

Dentre as inúmeras manifestações, destacou-se que a interpretação da Súmula Vinculante nº 11 deveria levar em conta também a segurança do policial penal. De fato, a integridade física dos agentes de segurança é um valor inegociável. Assim, pode-se justificar o uso de algemas quando houver um risco concreto de agressão ou de fuga.

Porém, a súmula não permite que a alegação genérica de risco fundamente o uso das algemas. Para que a referida exceção se justifique, é necessário que existam circunstâncias concretas que demonstrem a necessidade do uso das algemas.

Ao que se parece, no caso, o preso respondia a perguntas do juiz, de forma calma, e sem nenhum indicativo de que teria intenção de fugir ou de violar a integridade física do policial. Além disso, a mera justificativa consistente em desvantagem numérica do policial em relação aos detentos, por si só, não autoriza o uso das algemas, sob pena de esvaziamento da regra da excepcionalidade imposta pela súmula.

Se fosse admitida a tese de que a presença de múltiplos presos em relação a um único policial já seria justificativa suficiente para o uso de algemas, a Súmula Vinculante nº 11 perderia sua eficácia prática. Isso porque, na maioria das unidades prisionais e delegacias, os agentes frequentemente lidam com mais de um detento ao mesmo tempo.


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