Atipicidade dos meios executivos

Atipicidade dos meios executivos

A Emenda Constitucional nº 45/2004 e o Novo Código de Processo Civil reforçam a necessidade de soluções judiciais em prazos razoáveis e com efetividade.

No coração desta reforma está o artigo 139, IV, do Código de Processo Civil (CPC), que ampliou significativamente os poderes do juiz, ao dispor:

CPC, Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

Medidas atípicas

Essas medidas, conhecidas como atípicas, representam um arsenal de instrumentos não convencionais que os juízes podem utilizar para garantir o cumprimento de decisões judiciais, principalmente em processos de execução civil.

Ao contrário das abordagens tradicionais, como penhora ou arresto, as medidas atípicas podem abranger a suspensão de documentos como a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e passaporte, restrições a operações financeiras e até a proibição de participação em licitações ou concursos públicos.

Constitucionalidade do art. 139, IV

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do artigo 139, IV, do CPC, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5941).

Durante esse julgamento, o ministro Luiz Fux, relator do caso, destacou que tais medidas devem ser proporcionais e adaptadas às circunstâncias específicas de cada caso. Além disso, devem visar a eficácia e a duração razoável do processo e promovendo a cooperação das partes, conforme trecho da ementa a seguir transcrito:

[…]O acesso à justiça reclama tutela judicial tempestiva, específica e efetiva sob o ângulo da sua realização prática. 2. A morosidade e inefetividade das decisões judiciais são lesivas à toda a sociedade, porquanto, para além dos efeitos diretos sobre as partes do processo, são repartidos pela coletividade os custos decorrentes da manutenção da estrutura institucional do Poder Judiciário, da movimentação da sua máquina e da prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. 3. A efetividade e celeridade das decisões judiciais constitui uma das linhas mestras do processo civil contemporâneo, como se infere da inclusão, no texto constitucional, da garantia expressa da razoável duração do processo (artigo 5º, LXXVIII, após a Emenda Constitucional nº 45/2004) e da positivação, pelo Novo Código de Processo Civil, do direito das partes “de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa” (grifei). 4. A execução ou satisfação daquilo que devido representa verdadeiro gargalo na prestação jurisdicional brasileira, mercê de os estímulos gerados pela legislação não terem logrado suplantar o cenário prevalente, marcado pela desconformidade geral e pela busca por medidas protelatórias e subterfúgios que permitem ao devedor se evadir de suas obrigações. Os poderes do juiz no processo, por conseguinte, incluem “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária” (artigo 139, IV), obedecidos o devido processo legal, a proporcionalidade, a eficiência, e, notadamente, a sistemática positivada no próprio NCPC, cuja leitura deve ser contextualizada e razoável à luz do texto legal.6. A amplitude semântica das cláusulas gerais permite ao intérprete/aplicador maior liberdade na concretização da fattispecie – o que, evidentemente, não o isenta do dever de motivação e de observar os direitos fundamentais e as demais normas do ordenamento jurídico e, em especial, o princípio da proporcionalidade. […] (ADI 5941, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 09-02-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 27-04-2023  PUBLIC 28-04-2023)

Aplicação das medidas

O uso de tais medidas, portanto, embora constitucional, deve ser meticulosamente considerado pelos magistrados. Ademais, elas têm sua aplicação recomendada especialmente em cenários onde outras tentativas de execução se mostraram infrutíferas e há indícios de ocultação patrimonial.

Um exemplo é quando postagens em redes sociais sugerem que o executado mantém um padrão de vida elevado e indicam a adoção de possíveis estratégias de blindagem patrimonial.

É crucial que se apliquem as medidas atípicas não como a primeira linha de ação para satisfazer créditos, mas como uma alternativa diante da ineficácia dos métodos convencionais. O artigo 805 do CPC reforça este ponto, orientando que se deve realizar a execução pelo meio menos gravoso para o executado, ao dispor:

CPC, Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.

Além disso, é necessário demonstrar que o seu uso acarretará proveito útil e necessário para satisfação da dívida, não servindo apenas como mecanismo de punição e achincalhamento do devedor.

Na prática

medidas

Um exemplo prático da aplicação dessas medidas ocorreu recentemente com a decisão da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. A Turma enfrentou um pedido de suspensão da CNH, do passaporte e dos cartões de crédito de executados em um processo trabalhista.

O colegiado decidiu pela inaplicabilidade dessas medidas coercitivas. O argumento foi que elas só devem ser usadas quando houver um benefício claro e necessário para a satisfação da dívida. Assim, deve-se evitar que sejam usadas apenas como forma de pressão ou constrangimento ao devedor.

Esta perspectiva teve reforço do desembargador Celso Peel Furtado de Oliveira. Ele destacou a necessidade de as medidas trazerem um resultado útil à execução da dívida, não servindo meramente como um instrumento de penalização processual ou humilhação.

Dessa forma, devem-se equilibrar os interesses do credor na eficácia da execução com a proteção dos direitos fundamentais do devedor.

Assim, enquanto tais medidas são instrumentos poderosos para compelir ao cumprimento de decisões judiciais, deve-se sempre aplicá-las com cautela e fundamentadas em uma análise criteriosa das circunstâncias do caso.

Desse jeito, garante-se que tais medidas sejam necessárias e proporcionais ao objetivo de satisfação da dívida, sem transgredir os limites do razoável e do justo.


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