Lei Maria da Penha e a obrigatoriedade da assistência jurídica pela Defensoria Pública

Lei Maria da Penha e a obrigatoriedade da assistência jurídica pela Defensoria Pública

Entenda como a Lei Maria da Penha garante à vítima o direito à assistência jurídica gratuita pela Defensoria Pública. Saiba seus direitos!

Olá, pessoal! Aqui é o professor Allan Joos e hoje eu vou comentar um importante entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça que envolve temas de direito processual penal e princípios institucionais da defensoria pública.  Justamente por isso, o tema é de extrema importância para quem estuda para carreiras jurídicas, em especial para os concursos da Defensoria Pública.

Abordaremos, no presente artigo, dispositivos da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), além da interpretação da Lei Complementar nº 80/1994 (Lei Orgânica da Defensoria Pública) e da autonomia funcional de seus membros.

Contextualização dos fatos

assistência jurídica

O caso julgado pelo STJ teve origem no Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, onde a Defensoria Pública atuava como assistente qualificada em defesa dos interesses da mãe, do irmão e do filho de uma vítima de feminicídio, nos moldes da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), reconhecidos judicialmente como vítimas indiretas. O pedido foi deferido pelo juízo do Tribunal do Júri.

O Ministério Público recorreu da decisão que foi mantida, na sequência, pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ)

Inconformado, o MP-RJ levou o caso ao STJ, argumentando, entre outros pontos, que a Lei Maria da Penha não prevê essa atuação simultânea da Defensoria Pública.

No julgamento do recurso especial, a 5ª Turma do STJ, sob relatoria do ministro Joel Ilan Paciornik, decidiu que a atuação da Defensoria Pública é legítima, obrigatória e compatível com a Constituição, desde que não haja coincidência de profissionais na defesa do réu e na assistência às vítimas.

Ressaltou-se, inclusive, a independência de seus membros na atuação, considerando que inexiste conflito de interesses alegado pelo órgão ministerial.

Fundamentos jurídicos da decisão

Nos termos do art. 134 da Constituição Federal a Defensoria Pública é uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbida de oferecer orientação jurídica, defesa e promoção dos direitos humanos dos necessitados. O referido dispositivo constitucional, em conjunto com o art. 5º, LXXIV da Constituição (assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados), confere base constitucional à atuação ampla da Defensoria, inclusive na proteção de vítimas de violência doméstica.

Para o STJ, não há restrição para que a Defensoria represente os interesses de vítimas de feminicídio e seus familiares, ainda que, em outros processos, atue na defesa de acusados. A função institucional é voltada para a garantia do acesso à justiça, que deve alcançar tanto réus quanto vítimas em situação de vulnerabilidade.

Lei Maria da Penha (arts. 27 e 28): Assistência jurídica obrigatória

O ministro Joel Ilan Paciornik enfatizou que os arts. 27 e 28 da Lei Maria da Penha impõem, de forma obrigatória, a presença de advogado ou defensor público em todos os atos processuais relacionados à violência doméstica e familiar.

Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.
Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

Para o relator, tais dispositivos não criaram uma nova modalidade de intervenção de terceiros, mas reforçaram o dever do Estado de oferecer uma assistência jurídica especializada e humanizada à vítima. Isso inclui, por exemplo, o acompanhamento durante sessões do Tribunal do Júri, onde se julgam crimes como o feminicídio.

Atuação automática da Defensoria Pública

O STJ também afirmou que a atuação automática da Defensoria Pública como assistente de acusação é uma medida de tutela provisória, válida nos casos em que a vítima (ou seus familiares) não constituiu ou advogado particular, configurando verdadeira garantia de acesso à Justiça. Contudo, essa atuação não impede que a vítima substitua a Defensoria por advogado de sua confiança a qualquer momento.

Tal interpretação garante que o direito fundamental à assistência jurídica (art. 5º, LXXIV, CF) seja efetivado desde o início do processo, evitando que a vítima ou sua família fiquem desprotegidos em fases críticas, como o julgamento pelo Júri.

Independência funcional e ausência de conflito de interesses

O argumento do MP-RJ de que a Defensoria não poderia atuar “dos dois lados” foi rejeitado pelo STJ. O ministro Paciornik lembrou que a independência funcional dos defensores públicos, prevista no art. 4º, § 6º da LC nº 80/1994, garante que profissionais distintos atuem sem interferência interna, mesmo em processos relacionados.

O relator fez uma analogia com a advocacia privada, afirmando que seria ilógico impedir advogados da mesma seccional da OAB de representarem partes opostas. Do mesmo modo, a Defensoria Pública, enquanto instituição, pode designar defensores diferentes para funções distintas, sem que isso comprometa a ética ou a imparcialidade.

Interpretação ampla do art. 27 da Lei Maria da Penha

O STJ destacou que o artigo 27 da Lei Maria da Penha usa a expressão “em todos os atos processuais, cíveis e criminais”, o que inclui os julgamentos pelo Tribunal do Júri. Assim, não há qualquer justificativa legal para restringir a assistência jurídica especializada da Defensoria em casos de feminicídio ou outros crimes de violência doméstica.

A interpretação do relator reflete uma visão humanista e protetiva, que reconhece a centralidade da vítima no processo penal e a necessidade de garantir-lhe meios efetivos de participação e reparação.

A importância da decisão

A decisão da 5ª Turma do STJ não apenas resolve uma questão processual, mas também reforça a função promocional do Direito, ao assegurar que vítimas de violência doméstica e seus familiares recebam atendimento jurídico integral.

Isso é fundamental para evitar a revitimização, fenômeno comum em processos de violência de gênero, onde a vítima muitas vezes é tratada apenas como testemunha e não como sujeito de direitos. A atuação da Defensoria como assistente qualificada permite uma abordagem mais próxima, atenta aos direitos individuais da vítima e à sua dignidade.

Conclusão – Assistência Jurídica

O STJ, ao reconhecer a obrigatoriedade da assistência jurídica da Defensoria Pública nos casos de violência doméstica e feminicídio, inclusive no Tribunal do Júri, reafirma a função constitucional da Defensoria Pública como um verdadeiro pilar do acesso à justiça, expressão e instrumento do regime democrático

Para os estudos voltados à Defensoria Pública e concursos jurídicos em geral, o referido julgado é de extrema importância, na medida em que certamente será cobrado nas próximas provas.

Vejamos, agora, como o tema pode ser cobrado em provas da defensoria pública:

Exemplo de questão objetiva (estilo DPE)

(Questão adaptada)

Sobre a assistência jurídica prevista na Lei Maria da Penha, assinale a alternativa correta:

a) A assistência jurídica às vítimas de violência doméstica é facultativa e depende de solicitação expressa da vítima.

b) A Defensoria Pública não pode atuar como assistente de acusação no Tribunal do Júri.

c) A Defensoria Pública deve prestar assistência jurídica qualificada e obrigatória às vítimas, inclusive em casos de feminicídio submetidos ao Tribunal do Júri, salvo se já houver advogado constituído.

d) A assistência jurídica da Defensoria Pública não se estende aos familiares da vítima, apenas à própria vítima.

Gabarito: C

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