* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, através de seu Órgão Especial, puniu o juiz João Carlos de Souza Correa com a pena de aposentadoria compulsória.
Tomou-se tal medida no âmbito de um PAD – processo administrativo disciplinar – instaurado para apurar a conduta do magistrado, acusado de furtar uma imagem sacra de um antiquário na cidade de Tiradentes, em Minas Gerais, no ano de 2014.

A aposentadoria compulsória é a sanção administrativa mais grave aplicável a magistrados. A sanção implica o afastamento definitivo das funções, com manutenção de remuneração proporcional ao tempo de serviço. 16 dos 21 desembargadores que compõem o Órgão Especial do TJ/RJ decidiram pela punição, mas ainda cabe recurso da decisão.
O Ministério Público do Rio denunciou o magistrado pelo furto em 2021. Segundo a Polícia Civil mineira, o episódio ocorreu em abril de 2014. Na ocasião, o magistrado teria levado a peça, avaliada em R$ 4 mil, de uma loja de antiquários.
Percebeu-se a ausência do objeto dois dias depois, com base em imagens de câmeras de segurança do estabelecimento.
Detalhe: segundo dados abertos do TJRJ, em março de 2025, a remuneração bruta do juiz chegou a R$ 74.131,38.
Outras polêmicas do juiz
O juiz é conhecido por outras polêmicas. Vejamos:
• Estátua de Dom Quixote: em 2021, João Carlos foi condenado administrativamente. Ele teria se apropriado, de forma indevida, de uma estátua de Dom Quixote que pertence ao Fórum de Búzios, onde ele atuou entre 2004 e 2012. A obra é uma escultura doada pelo artista plástico Carlos Sisternas Assumpção, e o juiz foi acusado de levá-la embora ao ser transferido para a capital fluminense. Na ocasião, a pena aplicada pelo Órgão Especial do TJRJ foi a de advertência ao magistrado; • Carteirada em blitz: em 2014, o Conselho Nacional de Justiça já havia aberto um procedimento interno para analisar a atitude do juiz em uma blitz da Lei Seca. No episódio, ocorrido em 2011, ele deu voz de prisão a uma agente de trânsito que o multou por estar sem Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e placas no veículo.
Voltando ao furto da imagem sacra, o desembargador José Muiños Piñeiro Filho, relator do PAD, considerou que a punição criminal estava prescrita e votou pela pena de censura, utilizando um precedente do Superior Tribunal de Justiça.
Mas ele foi vencido pela maioria do colegas depois que a desembargadora Maria Augusta Vaz Monteiro de Figueiredo abriu divergência e votou pela aplicação da pena de aposentadoria compulsória.
A defesa do juiz punido protestou contra a decisão:
"O juiz de direito tem mais de 30 anos de exercício da magistratura e a sua história de vida se ergue como um escudo em face desta acusação. A condenação se amparou em interpretação equivocada dos fatos e das provas apresentadas. Não se trata de decisão definitiva. O magistrado se considera vítima de uma acusação improcedente e injusta e confia que será absolvido em grau de recurso”.
Punição disciplinar
A Constituição Federal, em seu artigo 95, parágrafo único, e a LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional, fixaram diretrizes para a atuação do magistrado.
O Código de Ética da Magistratura Nacional prevê, em seus arts. 15 a 19, o dever de integridade pessoal e profissional, o que o magistrado deve observar. Rezam os artigos 15 e 16:
Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.
Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.
Já o Estatuto da Magistratura (LC nº 35/79), em seu art. 35, VIII, traz como dever do magistrado “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”.
As penas disciplinares decorrentes da quebra dos deveres da magistratura estão arroladas no artigo 42, do Estatuto da Magistratura. Vejamos:
Art. 42 - São penas disciplinares:
I - advertência;
II - censura;
III - remoção compulsória;
IV - disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço;
V - aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço;
VI - demissão.
Com base em todas as normas aplicáveis ao caso e aos fatos apurados, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio não teve outra opção a não ser reconhecer a quebra do dever funcional, e punir o juiz com a pena de aposentadoria compulsória.
Aposentadoria compulsória
A sanção de aposentadoria compulsória, que mantem os vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, recebe muita crítica da opinião pública, que enxerga na medida não uma punição, mas um benefício. Isso porque o punido estaria recebendo, em contrapartida ao ato faltoso, o descanso tão almejado por grande parte dos trabalhadores.
Inclusive, a ministra Rosa Weber, quando ocupava a presidência do Conselho Nacional de Justiça, chegou a lamentar a manutenção dos vencimentos:
“Eu lamento que a nossa legislação permita manter os vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. O que mais dói neste processo é que as condutas eram adotadas e se invocava a condição de magistrado. Eu posso porque sou juiz.”
E para explicar um pouco a origem e a justificativa dessa sanção de aposentadoria compulsória, precisamos entender que os servidores públicos em geral adquirem estabilidade – direito de permanecer no cargo, salvo por pena em processo administrativo disciplinar – após três anos e aprovação no estágio probatório.
Para os magistrados e membros do Ministério Público, é um pouco diferente. Isso porque a eles aplica-se o instituto da vitaliciedade, ou seja, não perdem o cargo a não ser por sentença judicial condenatória transitada em julgado.
A demissão e a consequente perda do direito de receber os vencimentos só pode ser aplicada por decisão judicial transitada em julgado, não podendo ocorrer, portanto, no âmbito administrativo.
Por isso que se diz que a aposentadoria compulsória é a sanção mais grave no âmbito administrativo.
Aplicada a pena de aposentadoria compulsória, deve-se remeter os autos ao Ministério Público e à advocacia pública (AGU ou à Procuradoria estadual) para, se for o caso, tomar as providências cabíveis, como a instauração de processo criminal que pode gerar, aí sim, a demissão, a cassação da aposentadoria e até a prisão do punido.
Tema muito interessante para provas da Magistratura e do Ministério Público.
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!