Análise Jurídica do Seriado “ERIC” da Netflix: aplicação do CPP

Análise Jurídica do Seriado “ERIC” da Netflix: aplicação do CPP

Neste artigo faremos uma análise jurídica do Seriado “ERIC” da Netflix, com enfoque na aplicação dos arts. 13-A e 13-B do Código de Processo Penal Brasileiro na Investigação.

Análise Jurídica do Seriado "ERIC" da Netflix: aplicação do CPP
Análise Jurídica do Seriado “ERIC” da Netflix: aplicação do CPP

Vamos então, iniciar nossa análise!

O seriado “ERIC”, disponível na Netflix, é um thriller psicológico que se desenvolve em torno do desaparecimento de um jovem menino chamado Edgard. O pai de Edgard cria um boneco chamado Eric na tentativa de se reaproximar do filho e lidar com a dor do desaparecimento.

O sumiço de Edgard desencadeia uma série de eventos que envolvem sua família, amigos e as autoridades responsáveis pela investigação. À medida que a trama avança, segredos sombrios são revelados, forçando todos os envolvidos a confrontar suas próprias verdades e mentiras.

Na trama, que se passa em Nova York, nos anos 80, Edgard desaparece misteriosamente, deixando sua família e a comunidade devastadas. O detetive responsável pela investigação, Mark, enfrenta obstáculos e desafios enquanto tenta desvendar o paradeiro do garoto.

Ao longo da investigação, Mark descobre uma teia de mentiras e segredos que envolvem não apenas a família de Edgard, mas também pessoas influentes da cidade.

Paralelamente, Mark também investiga o desaparecimento de outro garoto, que sumiu nas proximidades de uma danceteria chamada LUX. A série aborda temas como a dor da perda, a corrupção e o poder da verdade, criando uma narrativa cativante e cheia de suspense.

Os artigos 13-A e 13-B do Código de Processo Penal, que foram introduzidos pela Lei nº 13.344/2016, apresentam mecanismos que seriam cruciais em um caso como o de “ERIC”.

Esses dispositivos legais permitem que autoridades requisitem dados e informações essenciais para a investigação de crimes graves, facilitando o trabalho de detetives como Mark na série.

Interessante constatar que a Lei nº 13.344/16, na linha do que dispõe o tratado de direitos humanos, é calcada em três eixos, a saber: prevenção, repressão e assistência à vítima (art. 1º, parágrafo único).

No seriado “ERIC”, há menção a uma organização criminosa envolvida nos desaparecimentos. Nesse sentido, quanto aos aspectos investigativos e processuais penais, vale destacar um dispositivo singelo, mas de extrema importância.

O artigo 9º da Lei 13.344/16 dispõe que “aplica-se subsidiariamente, no que couber, o disposto na Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013”.

Se é permitida a aplicação subsidiária da Lei de Crime Organizado, isso significa que estão à disposição do Estado-Investigação os meios extraordinários de obtenção de prova lá albergados, tais como colaboração premiada, ação controlada e infiltração de agentes e captação ambiental de comunicações.

Essas técnicas especiais de investigação revelam-se imprescindíveis no combate à criminalidade moderna, que se mostra cada vez mais organizada e sofisticada. Crimes graves exigem emprego de estratégias investigativas diferenciadas e por vezes mais intrusivas, que não se limitem a testemunhas e perícias.

Segundo o artigo 13-A do CPP, nos crimes de sequestro e cárcere privado (art. 148 do CP), redução a condição análoga à de escravo (art. 149 do CP), tráfico de pessoas (art. 149-A do CP), “sequestro-relâmpago” (art. 158, §3º do CP), extorsão mediante sequestro (art. 159 do CP) e envio ilegal de criança ou adolescente para o exterior (art. 239 do ECA), o membro do Ministério Público ou o Delegado de Polícia pode requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos.

Chama a atenção, além do exíguo prazo de 24 horas para atendimento da requisição, o fato de poder se referir a dados não só do investigado, mas da própria vítima.

A atribuição para investigação é da Polícia Civil, salvo se houver repercussão interestadual ou internacional (art. 144, §1º, da CF), ocasião em que a apuração será deslocada para a Polícia Federal. Já a competência é da Justiça Estadual, em regra, devendo atuar a Justiça Federal em caso de transnacionalidade (art. 109, V, da CF).

Uma iniciativa importante que certamente auxiliará nas investigações sobre o tráfico de pessoas é a criação, pelo Poder Público, de um sistema de informações destinado à coleta e à gestão de dados que orientem o enfrentamento a esse crime (art. 10).

Considerando que a atribuição investigativa recai tanto sobre a Polícia Federal quanto sobre a Polícia Civil, torna-se imprescindível um adequado compartilhamento de dados entre as Polícias Judiciárias, bem como com o Ministério Público.

Se a trama de “ERIC” ocorresse no Brasil, o artigo 13-A seria fundamental para a obtenção rápida de informações cadastrais sobre possíveis suspeitos e pessoas envolvidas no desaparecimento de Edgard. O detetive Mark poderia requisitar dados de órgãos públicos e empresas privadas para rastrear pistas e seguir o rastro de Edgard, agilizando a investigação e aumentando as chances de encontrar o garoto a tempo.

Vale lembrar que a requisição de dados cadastrais pela Polícia Judiciária ou Ministério Público no âmbito da persecução penal possui previsão também na Lei de Combate ao Crime Organizado (art. 15 da Lei 12.850/13) e na Lei de Lavagem de Capitais (art. 17-A da Lei 9.613/98), que se referem expressamente ao investigado, e não estipulam prazo para cumprimento.

Especificamente quanto à Autoridade Policial, cabe mencionar também o chamado “Poder Geral de Requisição” constante na Lei que trata da Condução da Investigação Criminal pelo Delegado de Polícia (art. 2º, §2º da Lei 12.830/13), válido para qualquer infração penal, que apesar de não definir prazo, não limita a requisição ao suspeito.

Não é demais ressaltar que dados cadastrais referem-se à própria identidade (nome, nacionalidade, naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, RG, CPF, filiação e endereço), e sua requisição é facultada pelo legislador ao Delegado de Polícia para municiá-la dos meios necessários para coletar elementos de informação de forma rápida e eficaz.

Importante destacar que nem todas as medidas investigativas estão submetidas à cláusula de reserva de jurisdição.

É plenamente viável que o legislador confie ao Delegado de Polícia a capacidade de executar, de forma autônoma, uma série de ações, considerando que o arcabouço constitucional vigente não exige, em todos os casos, a chancela prévia do Judiciário para os atos investigatórios, sem que isso comprometa o controle judicial posterior.

Nesse sentido, enquanto as comunicações de dados necessitam de autorização judicial prévia, os dados em si podem ser acessados por autoridades competentes para a investigação criminal.

Por isso é que não há obstáculo para a apreensão e análise de agenda com dados sigilosos. E, quanto ao aparelho celular, pode o Delegado de Polícia acessar diretamente a agenda eletrônica e registros de ligações (histórico de chamadas), não possuindo autorização apenas para verificar em tempo real as mensagens enviadas e recebidas e chamadas efetuadas e recebidas.

De igual forma, é lícita a requisição junto à operadora de telefonia, pelo delegado de polícia, de informações pretéritas das ERBs utilizadas pelo investigado.

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deliberou que os dados de agenda telefônica em celular não estão abrangidos pela proteção constitucional de sigilo.

Em decisão, considerou-se válida a prova produzida a partir da agenda telefônica de um investigado, acessada durante abordagem policial sem autorização judicial. Os Ministros concluíram que os dados constantes na agenda do celular não estão protegidos pelo sigilo telefônico ou de dados telemáticos.

Com base nesse entendimento, o Colegiado reformou o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que havia absolvido dois homens presos em flagrante por tráfico de drogas. A Corte estadual considerou nula a prova obtida pelos policiais militares a partir da agenda telefônica do celular de um dos acusados, por falta de autorização judicial para acesso aos dados.

Durante o flagrante da venda de drogas, os policiais encontraram na agenda telefônica de um dos envolvidos números e nomes de indivíduos relacionados ao tráfico, além de um número salvo como “viciado”.

O Relator do recurso do Ministério Público, Ministro Joel Ilan Paciornik, destacou que a jurisprudência do STJ considera ilícitas as provas obtidas mediante devassa nos dados de aparelho celular – como mensagens de texto e conversas por aplicativos – sem prévia autorização judicial.

No entanto, Paciornik observou que, no julgamento do REsp 1.853.702, de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, a Quinta Turma estabeleceu uma distinção entre essas informações, protegidas por sigilo constitucional, e os dados constantes da agenda de contatos e do registro de chamadas.

Segundo Paciornik, ainda que se admita a ilegalidade da prova colhida em mensagens acessadas pela polícia sem autorização judicial, tal fato não resulta em absolvição automática, pois podem existir outros elementos capazes de fundamentar a condenação.

De outra parte, a análise do artigo 13-B do Código de Processo Penal (CPP) nos deixa perplexos. Tal dispositivo é aplicado a crimes relacionados ao tráfico de pessoas.

De acordo com a norma, no contexto do crime de tráfico de pessoas, tanto o membro do Ministério Público quanto o Delegado de Polícia podem “requisitar, mediante autorização judicial” às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem de imediato os meios técnicos adequados – como sinais de Estações Rádio Base (ERBs), informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em andamento.

Para os efeitos deste artigo, entende-se por “sinal” o posicionamento da estação de cobertura, a setorização e a intensidade da radiofrequência. A requisição do sinal deve ser realizada por um período não superior a 30 dias, podendo ser renovada uma única vez por igual período. Para períodos superiores a 60 dias, é imprescindível a obtenção de ordem judicial.

No caso previsto, o inquérito policial deve ser instaurado no prazo máximo de 72 horas, contado a partir do registro da respectiva ocorrência policial. Se não houver manifestação judicial no prazo de 12 horas, a autoridade competente pode requisitar diretamente às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem os meios técnicos adequados, com comunicação imediata ao juiz.

A deficiência técnica na redação legislativa é evidente ao mencionar a requisição mediante autorização judicial. Quando se exige ordem judicial, não se trata de requisição por parte do Ministério Público ou da Polícia Judiciária, mas sim de um requerimento ou representação, respectivamente. A distinção é clara e a utilização imprópria dos termos legislativos compromete a precisão necessária à efetiva aplicação do dispositivo.

Conforme disposto no § 4º do artigo 13-B do Código de Processo Penal (CPP), caso não haja manifestação judicial no prazo de 12 horas, a autoridade competente requisitará às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem de imediato os meios técnicos adequados – tais como sinais, informações e outros – que possibilitem a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em andamento, com comunicação imediata ao juiz.

Trata-se de uma cláusula de reserva de jurisdição temporária, uma verdadeira inovação no âmbito jurídico, em que o decurso de um lapso temporal (bastante exíguo, diga-se de passagem, de apenas 12 horas) faz desaparecer a necessidade de autorização judicial.

Configura-se, portanto, uma previsão dúplice, que inicialmente exige ordem judicial, mas que, pelo simples decurso do tempo, passa a dispensá-la.

A sistemática se apresenta do seguinte modo: num primeiro momento o delegado representa ou o membro do MP requer ao Judiciário a aplicação de medida. Caso não seja apreciado com celeridade, dispensa-se a ordem judicial e a obtenção da informação passa para a esfera de requisição, ou seja, a Polícia Judiciária ou o Ministério Público determinam diretamente ao detentor da informação que remeta os dados diretamente ao órgão requisitante.

Consagra ainda o art. 13-B, em seu § 2º, que a identificação da Estação Rádio Base (ERB) não deve permitir acesso ao conteúdo das conversas desenvolvidas entre os interlocutores. Essa informação deve ser fornecida pela prestadora de telefonia móvel celular por um período não superior a 30 dias, podendo ser renovada uma única vez por igual período. Para períodos que excedam 60 dias, é necessária a obtenção de autorização judicial.

Assim, para prazos de até 60 dias (30 dias renováveis por igual período), aplica-se a sistemática segundo a qual, se o Magistrado não decidir no prazo de 12 horas, a autoridade competente pode requisitar diretamente a informação às empresas prestadoras de serviço, comunicando imediatamente o fato ao Juiz.

Finalizando nossa análise Jurídica do Seriado “ERIC”, destacamos que a Lei 14.811, de 2024, trouxe importantes alterações ao Código Penal.

Com efeito, a novel legislação tornou hediondos os crimes de sequestro e cárcere privado cometidos contra menor de 18 anos (art. 148, § 1º, inciso IV) e o delito de tráfico de pessoas cometido contra criança ou adolescente (art. 149-A, caput, incisos I a V, e § 1º, inciso II).

Esses tipos penais agora são tratados com maior rigor, refletindo a gravidade e o impacto social desses crimes.

Portanto, esta foi nossa Análise Jurídica do Seriado “ERIC” da Netflix no que tange à aplicação do CPP (artigos 13-A e 13-B).

O seriado “ERIC” exemplifica de maneira dramática e envolvente a importância de ferramentas legais eficazes na investigação de crimes graves.

Os artigos 13-A e 13-B do Código de Processo Penal brasileiro proporcionam exatamente os mecanismos necessários para lidar com situações semelhantes, garantindo que as autoridades possam atuar de maneira célere e eficiente na busca por vítimas e na captura de suspeitos, sempre respeitando os direitos fundamentais e o devido processo legal.

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