Análise jurídica do caso Renato Cariani

Análise jurídica do caso Renato Cariani

Olá, pessoal!

Sou o professor Guilherme Rezende, professor de Processo Penal e de Legislação Institucional (MP), promotor de Justiça no MPPR, ex-Defensor Público da União, ex- Procurador da Fazenda Nacional e doutorando e mestre em direito.

Trouxe abaixo um tema para debate: O caso Renato Cariani.

Resumo: Neste artigo iremos fazer uma análise jurídica sobre o caso Renato Cariani, fazendo apontamentos sobre os crimes a ele atribuídos e sobre os rumos do processo daqui em diante.

Narra a imprensa (correio brasiliense) que o influencer Renato Cariani teria sido denunciado pelo MPSP, juntamente com outras quatro pessoas, pela prática dos crimes de associação para o tráfico, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. 

Segundo o Parquet paulista o grupo teria produzido, vendido e fornecido mais de doze toneladas de produtos químicos destinados à preparação de drogas, por pelo menos sessenta vezes. Ainda segundo a investigação, os valores provenientes do tráfico eram depositados por interpostas pessoas, convertendo-se em ativos lícitos, no montante de mais de dois milhões de reais. 

A denúncia teria sido recebida em 16/02.

Faremos alguns apontamentos sobre o caso, levando em consideração a versão noticiada pela imprensa.

A primeira das infrações atribuída a Cariani seria a de associação para o tráfico, que vem prevista no artigo 35, da Lei 11.343/06. Ela pressupõe que duas ou mais pessoas se associem para, reiteradamente ou não, praticar quaisquer dos crimes previstos no artigo 33, caput e §1º, e artigo 34, da Lei de Drogas. 

O primeiro detalhe a ser observado é que o crime de associação para o tráfico se diferencia do crime de associação criminosa, previsto no artigo 288, do CP, pois neste exige-se a presença de três ou mais pessoas.

O segundo detalhe é que para a caracterização do crime são necessários elementos que indiquem a estabilidade e permanência do grupo, traduzida na própria ideia da associação. Sem este requisito, poderíamos pensar em concurso eventual, conforme dispõe o artigo 29, do CP. No caso, porém, a reiteração das condutas (mais de sessenta vezes) parece indicar que, de fato, havia esse animus associativo.

A propósito vejam a jurisprudência do STJ: “Com efeito, a jurisprudência desta Corte Superior possui entendimento no sentido de que ‘para a configuração do delito de associação para o tráfico de drogas, é necessário o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião de duas ou mais pessoas sem o animus associativo não se subsume ao tipo do art. 35, da Lei n. 11.343/2006. Trata-se, portanto, de delito de concurso necessário’” (HC n. 434.972/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 1º/8/2018).

A segunda infração atribuída ao grupo é o crime de tráfico de drogas. Trata-se de norma penal em branco, pois a indicação das substâncias que constituem droga vem estabelecida em um ato normativo do Poder Executivo da União (parágrafo único, do artigo 1º), no caso a Portaria 344, da SVS/ANVISA.

Notem que o complemento da norma penal incriminadora vem disposto em outra norma (que não é uma lei, senão um ato do Executivo, sendo o caso de norma penal em branco heterogênea), limitando-se o caput do artigo 33 a anunciar que incorre no crime quem pratica algum dos dezoito verbos núcleos do tipo, sem, no entanto, especificar o que é droga.

O §1º, do artigo 33, diz que incorre nas mesmas penas quem importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas. 

Vejam, portanto, que a lei não pune apenas o tráfico de drogas propriamente dito, mas diversas condutas que estejam relacionadas a matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas.

Ao que consta, as condutas do grupo (um total de mais de sessenta, em concurso material ou continuidade delitiva, a depender do caso) se subsumem a este modelo, o crime previsto no §1º, do artigo 33, até porque a reportagem narra que o montante de substâncias químicas seria capaz de produzir quinze toneladas de crack.

Por fim, a terceira infração atribuída ao grupo é a de lavagem de dinheiro, prevista no artigo 1º, §1º, I, da Lei 9613/98, que trata da conduta de converter em ativo lícito os valores provenientes de infração penal.

Sobre este crime observem que a lei pressupõe a ocorrência de infração pretérita, exatamente como ocorre com o crime de receptação. É necessária a prévia ocorrência de um crime, bem assim que o seu proveito seja convertido em ativo lícito. No caso temos o crime de tráfico de drogas.

Uma curiosidade sobre o crime de lavagem de dinheiro é que nele deve ser demonstrada já com o oferecimento de denúncia, a chamada justa causa duplicada, consistente na demonstração tanto de indícios de autoria e materialidade em relação ao crime de lavagem, quanto em relação ao fato delituoso antecedente. 

O STJ assim já se posicionou sobre o tema: No caso do delito previsto no art. 1º da Lei n. 9.613/98, a aptidão da denúncia é aferida a partir da verificação da presença de elementos informativos suficientes que sirvam de lastro probatório mínimo que apontem a materialidade e ofereçam indícios da autoria da prática de atos de ocultação ou de dissimulação da origem dos bens ou valores. Além disso, a inicial acusatória deve trazer elementos que sinalizem a existência de infração penal antecedente, demonstrando a chamada justa causa duplicada. (RHC 150451)

Conforme conta a imprensa, a denúncia já teria sido recebida pelo judiciário paulista. Daí advém importantes consequências: a) os acusados se transformam em réus; b) inicia-se a fase processual da persecução penal, e finalmente c) essa providência constitui um marco interruptivo da prescrição.

A partir de agora, os então réus têm prazo para oferecimento de defesa, seguindo-se à fase instrutória e, por fim, à fase decisória.

As penas cominadas aos crimes praticados pelo grupo são de até dez anos para a associação, quinze para o tráfico, e dez para a lavagem de dinheiro.  

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