
Está oficialmente disponível o gabarito definitivo do Exame Nacional da Magistratura 2025.1!
O Enam é um processo seletivo nacional e unificado, promovido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), com o objetivo de habilitar os candidatos para concursos de magistratura.
Os candidatos foram avaliados por etapa única de prova objetiva dia 18 de maio de 2025. Agora, os resultados definitivos estão previstos para o dia 31 de julho.
Quais foram as principais mudanças no gabarito?
Houve apenas uma anulação de questão, confira todos os detalhes no artigo.
QUESTÃO 37 – PROVA VERDE
As sociedades empresárias devem observar, na condução de suas atividades, determinados padrões de conduta, tanto no seu aspecto interno – relação com seus trabalhadores por exemplo – quanto externo – nas relações com a comunidade, notadamente quanto às normas ambientais.
A agenda “Direitos Humanos e Sociedades Empresárias” passa a existir a partir do avanço na compreensão sobre as relações entre atividades empresariais e a proteção ou violação aos Direitos Humanos advindos dessas atividades.
Considerando a pauta Direitos Humanos e Sociedades Empresárias, avalie as afirmativas a seguir.
I. O caminho internacional percorrido para que fosse determinado o respeito aos Direitos Humanos também pelas sociedades empresárias foi longo. O Pacto Global das Nações Unidas foi criticado, porque não deixava claro qual era a carga de deveres da sociedade empresária transnacional, prevendo apenas a responsabilidade do Estado pelas violações praticadas pelas sociedades empresárias.
II. Os princípios orientadores sobre sociedades empresárias e Direitos Humanos (Princípios de Ruggie) reforçam em seus aspectos gerais os três parâmetros “proteger, respeitar e reparar,” que são utilizados tanto para sistematizar os principais pontos da temática quanto para reconhecer que cabe a ambos (Estado e sociedades empresárias) o dever de reparar os danos causados pelas violações de Direitos Humanos.
III. Ainda não há um Tratado Internacional de Direitos Humanos (hard law) que discipline a responsabilidade dos Estados e das sociedades empresárias por violação aos Direitos Humanos, o que fragiliza o voluntarismo desses entes em observar as diretrizes das Nações Unidas. Mesmo no plano do Direito Interno brasileiro, o Decreto nº 9.571/2018 estabelece que as diretrizes serão implementadas voluntariamente pelas sociedades empresárias.
Está correto o que se afirma em
- a) I, apenas.
- b) I e II, apenas.
- c) I e III, apenas.
- d) II e III, apenas.
- e) I, II e III.
Porque a anulação?
De acordo com nosso artigo de recursos:
A afirmativa III, apresentada para julgamento, tem o seguinte enunciado:
Ainda não há um Tratado Internacional de Direitos Humanos (hard law) que discipline a responsabilidade dos Estados e das sociedades empresárias por violação aos Direitos Humanos, o que fragiliza o voluntarismo desses entes em observar as diretrizes das Nações Unidas. Mesmo no plano do Direito Interno brasileiro, o Decreto nº 9.571/2018 estabelece que as diretrizes serão implementadas voluntariamente pelas sociedades empresárias.
A despeito da análise da (in)correção do item, tem-se expressa alusão ao Decreto n. 9.571/2018, que tinha por objeto o estabelecimento de Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos.
Ocorre que o referido Decreto foi revogado ainda em 09 de novembro de 2023, por força do art. 11 do Decreto n. 11.772/2023, antes, portanto, da publicação do edital do 3º Exame Nacional da Magistratura – ENAM 2025.1.
Por conseguinte, desde a revogação do decreto, o tema objeto da questão – Direitos Humanos e Empresas – não é mais trabalhado pela doutrina atualizada com alusão ao Decreto n. 9.571/2018.
Nesse sentido, pode ser mencionada a obra de André de Carvalho Ramos[1], em seu Curso de Direitos Humanos, que em sua 12ª edição (2025), ao expor o tema “O “GLOBAL COMPACT” E OS PRINCÍPIOS ORIENTADORES SOBRE EMPRESAS E DIREITOS HUMANOS. O “BLUEWASHING” E A RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS”, sequer faz alusão ao referido Decreto.
Vale destacar que a obra do sobredito autor foi literalmente empregada na questão sob análise, já que o teor da afirmativa II da mesma questão corresponde a citação literal encontrada na obra acima mencionada, in verbis:
De 2005 a 2011, Ruggie preparou relatórios sobre a temática, nos quais criticou a opção tida como estatocêntrica das “Normas”, nas quais repetia-se o vetor do Direito Internacional dos Direitos Humanos, pelo qual o Estado responderia pelas violações por parte das empresas, não sendo clara qual era a carga de deveres desses entes privados. No relatório de 2008, Ruggie defendeu um giro copernicano na temática por meio da adoção dos parâmetros “proteger, respeitar e reparar”, que são utilizados tanto para sistematizar os principais pontos da temática quanto para dividir a responsabilidade na defesa de direitos humanos entre os Estados e as empresas. (negritou-se)
Nessa medida, a cobrança de ato normativo revogado, em assertiva que apresenta tal conteúdo como se vigente fosse, rompe com a referência do conteúdo programático, além de caracterizar ofensa ao art. 33 da Resolução CNJ n. 75/2009, que exige que “as questões da prova objetiva seletiva serão formuladas de modo a que, necessariamente, a resposta reflita a posição doutrinária dominante ou a jurisprudência pacificada dos Tribunais Superiores” (negritou-se).
Portanto, diante de vício insanável, a questão deve ser anulada.
Em segundo plano, o gabarito deve ser alterado da letra E para a letra D.
A alteração justifica-se porque o item I, apresentado como correto no gabarito oficial, está, em verdade, incorreto. O item sob análise tem a seguinte redação:
O caminho internacional percorrido para que fosse determinado o respeito aos Direitos Humanos também pelas sociedades empresárias foi longo. O Pacto Global das Nações Unidas foi criticado, porque não deixava claro qual era a carga de deveres da sociedade empresária transnacional, prevendo apenas a responsabilidade do Estado pelas violações praticadas pelas sociedades empresárias.
O ponto problemático é a parte final, a saber: “prevendo apenas a responsabilidade do Estado pelas violações praticadas pelas sociedades empresárias”.
De saída, vale resgatar a exposição doutrinária, trazida pelo mesmo autor de referência, de André de Carvalho Ramos, na obra acima citada, sobre o Pacto Global das Nações Unidas.
O Pacto Global das Nações Unidas (UN Global Compact) é uma iniciativa da ONU para mobilizar, de modo voluntário, a comunidade empresarial internacional rumo a implementação de boa governança empresarial nas áreas de direitos humanos, relações de trabalho, meio ambiente e combate à corrupção refletidos em 10 princípios: […]
O Pacto Global das Nações Unidas (UN Global Compact) busca ser, em síntese, uma grande iniciativa voluntária das empresas para alinhar a conduta empresarial com os princípios universais de defesa dos direitos humanos, entre eles os direitos trabalhistas, ambientais e normas anticorrupção. Seria forjada uma “sustentabilidade empresarial”, pautada na promoção de normas de direitos humanos nas suas mais variadas espécies92. Com o Pacto Global, as empresas aderentes buscam desenvolver uma gestão empresarial social e ambientalmente corretas, naquilo que se convencionou chamar de pauta ESG (Environmental and Social Governance/ESG – gestão empresarial ambiental e social).
Como o Pacto Global das Nações Unidas (UN Global Compact) não é sequer um código de conduta (e sim uma iniciativa voluntária, envolvendo empresas em colaboração com a ONU e redes locais), não há mecanismos para efetivamente verificar o cumprimento dos “10 princípios”, apenas a possibilidade de exclusão da lista do rol de empresas participantes, caso sejam comprovadas violações sistemáticas desses valores (medida de integridade). (negritou-se)
Vale agora reproduzir a literalidade dos 10 princípios, identificados pela doutrina e também encontrados nos sites oficiais do movimento [2] [3]:
Direitos Humanos
01 – As empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos reconhecidos internacionalmente.
02 – Assegurar-se de sua não participação em violações destes direitos.
Trabalho
03 – As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva.
04 – A eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório.
05 – A abolição efetiva do trabalho infantil.
06 – Eliminar a discriminação no emprego.
Meio Ambiente
07 – As empresas devem apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais.
08 – Desenvolver iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental.
09 – Incentivar o desenvolvimento e difusão de tecnologias ambientalmente amigáveis.
Anticorrupção
10 – As empresas devem combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e propina.
Além disso, é oportuno apresentar a própria definição do Pacto Global das Nações Unidas, encontrado em seu site oficial em língua portuguesa:
Lançado em 2000 pelo então secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, o Pacto Global é uma chamada para as empresas de todo o mundo alinharem suas operações e estratégias aos Dez Princípios universais nas áreas de Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Anticorrupção e desenvolverem ações que contribuam para o enfrentamento dos desafios da sociedade. É hoje a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo, com mais de 25 mil participantes, entre empresas e organizações, distribuídos em mais de 67 redes locais, com abrangência e engajamento em todos os continentes. […]
O Pacto Global não é um instrumento regulatório, um código de conduta obrigatório ou um fórum para policiar as políticas e práticas gerenciais. É uma iniciativa voluntária que fornece diretrizes para a promoção do crescimento sustentável e da cidadania, por meio de lideranças corporativas comprometidas e inovadoras. A sede do Pacto Global é em Nova York. (negritou-se)
Como se vê, seja pela exposição doutrinária, seja pela sua relação de princípios, seja pela própria descrição oficial do Pacto Global, não há qualquer menção à fixação de responsabilidades do Estado ou de Governos pelas violações praticadas pelas sociedades empresárias.
Este conteúdo simplesmente não consta da formulação do Pacto Global.
Em verdade, a leitura detida da doutrina de André de Carvalho Ramos[1] revela justamente o contrário.
Ao expor o tema, o autor afirma que há duas possíveis abordagens para a pauta de direitos humanos e empresas.
A primeira é a abordagem direta, em que, segundo o autor, “há regras específicas de direitos humanos que incidem sobre as empresas para que estas observem, na condução de suas atividades, determinados padrões de conduta tanto no seu aspecto interno (nas relações com seus trabalhadores, por exemplo) quanto externo (nas relações com a comunidade, como, por exemplo, no respeito às normas ambientais)”.
Já pela abordagem indireta, ainda segundo o autor, “as normas de direitos humanos já existentes responsabilizam os Estados e exigem que estes, então, cobrem das empresas uma conduta pro persona”.
Na sequência deste raciocínio, na mesma passagem da obra, o autor apresenta o Pacto Global da ONU justamente como um exemplo de abordagem direta presente no Sistema Global de Direitos Humanos, ou seja, uma abordagem que não envolve a responsabilização dos Estados.
Todas os exemplos de abordagem direta, expostos pelo autor ao lado do Pacto Global da ONU, não tratam da responsabilização de Estados, mas sim do estímulo a uma postura colaborativa e voluntária das empresas com o respeito aos direitos humanos.
Como se vê, ainda que a questão – aparentemente – tenha buscado subsídios na obra citada de André de Carvalho Ramos, o item III vai na contramão do que é exposto pelo próprio autor.
Portanto, o item I, ora examinado, está errado e, assim sendo, o gabarito deve ser alterado para a letra D, que reconhece como certos apenas os itens II e III.
[1] RAMOS, André de C. Curso de Direitos Humanos – 12ª Edição 2025. 12. ed. Rio de Janeiro: SRV, 2024. E-book. p.217. ISBN 9788553625888. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788553625888/. Acesso em: 20 mai. 2025.
[2] Disponível em: https://www.pactoglobal.org.br/sobre-nos/. Acesso em: 20 mai. 2025.
[3] Disponível em: https://unglobalcompact.org/what-is-gc/mission/principles. Acesso em: 20 mai. 2025.
Confira todos os detalhes do ENAM agora mesmo:
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