Alistamento militar feminino

Alistamento militar feminino

Brasil terá, pela primeira vez na sua história, alistamento militar feminino

Olá, pessoal. Hoje veremos acerca da possibilidade de alistamento militar feminino no Brasil.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Alistamento militar
Alistamento militar feminino

1. Alistamento militar feminino: entenda o caso

A cúpula das Forças Armadas e o Ministério da Defesa decidiram abrir o alistamento militar feminino para ingresso na carreira de soldado a partir de 2025. É a primeira vez na história do Brasil que isso ocorre. O alistamento não será obrigatório como no caso dos homens. Aquelas que completarem 18 anos em 2025 já poderão iniciar suas funções no Exército, na Marinha ou na Aeronáutica em 2026. A decisão do ministro da defesa acontece após a criação de um grupo de trabalho em abril para definir procedimentos necessários para a participação voluntária feminina no Serviço Militar.

Atualmente há 34 mil mulheres nas Forças Armadas, em um universo de 360 mil militares. O ingresso feminino teve início em 1980, por iniciativa da Marinha. Em 1982, foi a vez da Força Aérea. Já o Exército começou a aceitar mulheres em suas fileiras em 1992. Mas em todos esses casos o acesso não se deu através do alistamento aos 18 anos, e sim por meio de carreiras específicas, como na área da saúde, logística, e através de concursos específicos, como no caso da Escola de Sargento das Armas (ESA), do Exército, da Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar), da Aeronáutica, e do Colégio Nacal (CN), da Marinha.

2. Alistamento militar feminino: fisiologia feminina

Ainda existe uma certa resistência em admitir o alistamento militar feminino baseado no argumento da “fisiologia feminina”. Esse foi o fundamento utilizado pela União, no começo de 2024, para se manifestar contra o amplo acesso de mulheres a carreiras militares, especialmente em funções de combate. A manifestação consta em parecer da AGU em ações que tramitam no STF.

Mas antes de tratarmos dessas ações que correm na Suprema Corte cabe a pergunta:

Você sabe, de fato, o que significa essa “fisiologia feminina” como impeditivo para o amplo acesso das mulheres nas forças armadas? É o veremos agora.

2.1. Críticos do amplo acesso

O argumento da fisiologia feminina, no que tange ao alistamento militar, se baseia em um alegado menor nível de aptidão física da mulher (força muscular, potência anaeróbica, resistência física, propensão a lesões e fraturas) para atividades militares de combate e operações, o que poderia comprometer o desempenho na execução das tarefas.

Segundo essa linha argumentativa, o menor nível de aptidão física da mulher para atividades militares poderia ocasionar uma:

  • Maior exposição à riscos;
  • Limitação de prontidão da unidade;
  • Aumento do número de hospitalizações e afastamento das atividades funcionais;
  • Maior risco de acidentes.

O argumento consta em documento do Exército que serviu de base para o parecer da Advocacia-Geral da União, que foi no sentido de considerar válidas as restrições de amplo acesso das mulheres às Forças Armadas.

2.2. Favoráveis do amplo acesso

Em lado oposto, em relação ao alistamento militar, há os que consideram o argumento da fisiologia feminina um mito, uma falácia.

Para estes, a força física é cada vez menos imprescindível no contexto de guerra moderna, cada vez mais estratégica. Além do mais, o amplo acesso às forças armadas serve, também, para reforçar os laços patrióticos das mulheres e a ampla participação na defesa do território. Isso sem falar que contribui para a formação de um ambiente menos preconceituoso, menos machista, e mais plural nas forças armadas.

Nesse ponto, o Brasil ainda está atrasado.

“Existem cerca de 20 países no mundo que retiraram todas as restrições para que mulheres possam atuar como combatentes em suas forças armadas. Canadá, Noruega e Suécia autorizaram o contingente feminino a atuar na linha de frente ainda na década de 1980.

A Alemanha permitiu o acesso igualitário a todas as armas e especialidades em 2001. Na América Latina, o Uruguai permitiu já em 2000 a entrada de mulheres entre os quadros de comandantes de todas as forças, o que também tornou-se realidade no Paraguai em 2003 e na Argentina em 2013. Bolívia, Colômbia, Nicarágua, Venezuela e Chile também permitem o acesso total às áreas bélicas.”1

3. Análise jurídica

Visto os argumentos contrários e favoráveis do amplo acesso feminino às Forças Armadas (alistamento militar), vamos analisar a questão do ponto de vista jurídico.

A Procuradoria-Geral da República ajuizou três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 7500, 7501 e 7502) na Corte contra dispositivos legais que limitam o acesso de mulheres a alguns cargos na Aeronáutica, na Marinha e no Exército.

Para a PGR, 100% das vagas disponíveis nos concursos de recrutamento devem ser acessíveis às mulheres, sem discriminação de gênero e em igualdade de condições com candidatos homens, conforme assegura a Constituição Federal.

3.1. Aeronáutica

Aeronáutica: na ADI 7500, a PGR argumenta que, embora a Lei 12.464/2011 não proíba expressamente o ingresso de mulheres na Aeronáutica, alguns de seus dispositivos permitem que editais criem impedimentos às candidaturas femininas, sob o pretexto de que as responsabilidades associadas a determinados cargos exigiriam habilidades, atributos e desempenho físico que apenas candidatos do sexo masculino teriam.

3.2. Marinha

Marinha: na ADI 7501, o objeto são alterações na Lei 9.519/1997 que permitem ao comandante da Marinha definir em quais escolas de formação e cursos e em quais capacitações e atividades serão empregados oficiais dos sexos masculino e feminino. Além disso, a norma determina que os percentuais dos cargos destinados a homens e mulheres sejam fixados por ato do Poder Executivo, o que, segundo a PGR, contribui para excluir as candidatas de grande parte dos postos e das ocupações.

3.3. Exército

Exército: já na ADI 7502, a PGR afirma que a Lei 12.705/2012, ao dispor sobre os requisitos para acesso aos cursos de formação de oficiais e de sargentos de carreira do Exército, estabeleceu que o ingresso de mulheres na linha militar bélica seria viabilizado em até cinco anos. O argumento é de que essa previsão admite, em sentido contrário, que haja linhas de ensino não acessíveis a mulheres, direcionadas exclusivamente aos homens. Segundo a PGR, mesmo após o fim desse prazo, concursos de admissão à Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), responsável pelos cursos de formação, reservaram para candidatas do sexo feminino “percentuais ínfimos” de vagas (cerca de 10%).

3.4. Entendimento da PGR

A PGR afirma, nas ADI’s, que as restrições ao amplo acesso feminino às forças armadas violam a Constituição Federal nos seguintes pontos:

  • Art. 3º, IV (direito à não discriminação em razão de sexo);
  • Art. 5º, caput e I (princípios da isonomia e da igualdade entre homens e mulheres);
  • Art. 7º, XX (direito social à proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos);
  • Arts. 7º, XXX, 37, I, e 39, § 3º (direito de acesso a cargos públicos e proibição de discriminação em razão do sexo quando da respectiva admissão); e
  • Art. 142, § 3º, X (disciplina do ingresso nas Forças Armadas reservada à lei em sentido estrito).

A Advocacia-Geral da União defendeu os atos impugnados, ou seja, defendeu as restrições das mulheres no acesso às forças armadas (alistamento militar).

Segundo a AGU, as normas não impedem a efetiva participação feminina nas forças armadas, mas apenas estabelece, de modo geral, as condicionantes necessárias para o preenchimento dos cargos tendo em vista a natureza específica da atividade, como previsto no artigo 142, §3º, X, da CF/88, in verbis:

CRFB

Art. 142 – As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

(…)

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:

(…)

X – a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.”

As peculiaridades da atividade militar seriam ressaltadas pelo fato de o serviço militar, em tempo de paz, ser obrigatório apenas para o sexo masculino (artigo 143, § 2º, da Carta). Continua o Advogado-Geral da União:

A natureza da atividade, portanto, pode demandar o estabelecimento de regras diferenciadas para ingresso de homens e mulheres nas Forças Armadas, quando comparado ao ingresso em carreiras civis, sem que isso decorra quebra discriminatória da isonomia… Destaque-se, ademais, que as exigências da vida castrense geram dificuldades ao aproveitamento das mulheres em seus quadros, refletindo no cenário de escassez de mulheres combatentes, mesmo em países nos quais a guerra e a eclosão de conflitos armados com grupos antagônicos são um risco permanente.

Portanto, não haveria, segundo a AGU, quebra da isonomia insculpida no texto constitucional ante a legitimidade do discrímen no caso concreto.

Tudo indica que houve uma mudança substancial de entendimento do governo federal desde a manifestação da AGU nas ADI’s até hoje, o que se presume pelo fato das forças armadas admitirem, agora, o amplo acesso feminino (alistamento militar) aos seus quadros a partir de 2025. A novidade, portanto, é bem-vinda.

Vamos acompanhar o desenrolar dessas ações diretas de inconstitucionalidade, principalmente depois do recente anúncio de ampliação do acesso feminino nas forças armadas previsto para o próximo ano (2025).

REFERÊNCIAS:

1 https://istoedinheiro.com.br/o-mito-da-fisiologia-feminina-como-inapta-para-o-exercito/

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