CNJ mantém punição a Juiz por Abuso de Álcool

CNJ mantém punição a Juiz por Abuso de Álcool

Sanção disciplinar na magistratura por descumprimento ao dever de integridade pessoal e profissional por abuso de álcool.

abuso de álcool

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu

O CNJ, por unanimidade, manteve a aplicação de pena de disponibilidade a um magistrado vinculado ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em decorrência de descontrole gerencial em sua unidade jurisdicional, bem como violação do dever de integridade pessoal e profissional por consumo excessivo e reiterado de bebidas alcoólicas.

O Tribunal gaúcho já havia aplicado ao juiz duas penas: a de remoção compulsória, e a de disponibilidade. Analisando o recurso do magistrado, o Conselho deu parcial provimento para afastar a pena de remoção compulsória, mantendo apenas a aplicação da pena de disponibilidade, com vencimentos proporcionais, pelo prazo de dois anos.

O magistrado já tinha sido afastado das funções antes mesmo da instalação do PAD, em dezembro de 2020. Posteriormente foi instaurado o processo, mantido o afastamento, e o PAD foi julgado em junho de 2022, com a fixação das duas penas.

A defesa do juiz alegou que o julgamento no TJ/RS não teria sido imparcial, pois foi citado, no meio do julgamento, a seguinte expressão: “cachorro comedor de ovelhas, só matando”. Prosseguindo, a defesa destacou a alta produtividade do julgador, e ressaltou que não há provas do comportamento supostamente incompatível com a magistratura: “É tudo um ‘ouvi dizer’ de uma comarca pequena.”.

Manutenção da punição

Como fundamento para a manutenção da pena de disponibilidade, a relatora do caso, a conselheira Daniela Madeira, destacou que:

a) O uso de uma metáfora com ideia de morte, embora desaconselhável ao caso, não tem o condão de, por si só, provocar a nulidade do feito ou configurar a quebra de imparcialidade do desembargador que a proferiu – no máximo seria considerada uma quebra de urbanidade por parte do desembargador que a proferiu;

b) O acórdão teria constatado o estado não desejável do magistrado no convívio social, o que se extrai inclusive do próprio interrogatório, no qual o magistrado não nega ter estado embriagado nos eventos citados, em uma boate e no carnaval. A conselheira citou, ainda, que o magistrado já havia sido punido com pena de censura por ter comparecido embriagado em um curso de imersão da corregedoria local.

Já em relação à aplicação de uma única pena, a conselheira concordou com a defesa, e observou que, embora possível o julgamento conjunto das duas questões, não é possível a fixação de duas penas, sob pena de bis in idem.

Alcoolismo: Doença ou Comportamento Abusivo? Debate no CNJ

O conselheiro Alexandre Teixeira chamou atenção para o fato de o alcoolismo ser uma doença, sugerindo que fosse recomendado ao TJ/RS que o magistrado seja submetido a tratamento:

Apenas quem é doente talvez seja algo que piore a situação. Nós não temos aqui por objetivo piorar a situação pessoal do magistrado. (…) Antes de um magistrado, temos aqui uma pessoa humana em sofrimento, que padece de uma doença.”

O presidente do CNJ, o ministro Luís Roberto Barroso, e a relatora, observaram que não há, nos autos, registros de que se trate de alcoolismo o caso tratado – mas sim episódios esporádicos de abuso de álcool.

Análise Jurídica

O Código de Ética da Magistratura Nacional prevê, em seus artigos 15 a 19, o dever de integridade pessoal e profissional, que deve ser observado pelo magistrado.

Rezam os artigos 15 e 16:

Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.
Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.

O Estatuto da Magistratura e as Penas Disciplinares

Já o Estatuto da Magistratura (LC nº 35/79), em seu artigo 35, VIII, traz como dever do magistrado “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”.

As penas disciplinares decorrentes da quebra dos deveres da magistratura estão arroladas no artigo 42, do Estatuto da Magistratura. Vejamos:

Art. 42 - São penas disciplinares:

I - advertência;
II - censura;
III - remoção compulsória;
IV - disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço;
V - aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço;
VI - demissão.

Diferença Entre Alcoolismo e Abuso de Álcool

Portanto, para evitar injustiças é de fundamental importância diferenciar os casos em que o magistrado é portador do alcoolismo (síndrome da dependência do álcool), reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como doença, na Classificação Internacional de Doenças como CID F10 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool, dos casos em que o magistrado faz uso esporádico e abusivo de bebidas alcoólicas, prejudicando sua integridade pessoal e profissional e abalando a confiança dos cidadãos na judicatura.

O alcoolismo afeta a vida do doente em vários âmbitos: sua saúde mental, suas relações interpessoais, sua vida profissional, seu bem-estar físico, inclusive suas finanças. Podemos citar, como doenças derivadas do alcoolismo, a hepatite alcoólica, a cirrose, a gastrite, a desnutrição, a demência, além das doenças emocionais.

O tratamento do alcoolismo não é único, podendo incluir prescrição de medicamentos específicos, educação do paciente e da família, ajuda psicológica, frequência a grupos de apoio, apoio religioso etc.

Caso se constate que o magistrado é portador da síndrome da dependência do álcool, ou seja, é um alcoólatra, deve ser afastado para o devido tratamento de saúde, e não punido.

Ao contrário, se ficar comprovado que o magistrado não é alcoólatra, mas abusa esporadicamente do consumo de álcool, prejudicando sua integridade pessoal e profissional, prejudicando o exercício de sua função ou contribuindo para descredibilizar a judicatura, ele deverá se submeter ao correspondente PAD (Processo Administrativo Disciplinar) e às penas aplicadas pelo Conselho Nacional de Justiça.

Obviamente que, sendo o caso de responder ao PAD, o magistrado deverá ter garantido o direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, como imposto pela Constituição Federal.

Tema interessante, e que pode ser cobrado nas provas para a Magistratura e para o Ministério Público. Ficar atento!

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