Abordagem vexatória em adolescente e dano moral – REsp 2.185.387

Abordagem vexatória em adolescente e dano moral – REsp 2.185.387

Adolescente abordado de forma vexatória: STJ analisa dano moral no REsp 2.185.387. Entenda os critérios e implicações jurídicas.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Abordagem vexatória

Decisão do STJ – Abordagem vexatória

O Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua Terceira Turma, condenou um supermercado ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 6 mil em razão de abordagem considerada vexatória e abusiva de uma adolescente que foi acusada de furto por agente de segurança na saída do local.

O julgado se deu no bojo do REsp 2.185.387, e teve como relatora a ministra Nancy Andrighi, que disparou:

“É dever dos estabelecimentos comerciais orientar seus funcionários sobre o trato digno e respeitoso com os clientes, mesmo diante da suspeita de cometimento de crime dentro do comércio. Abordagens e revistas ríspidas, rudes ou vexatórias, inclusive aquelas que envolvem o toque físico do agente, configuram abuso de direito e caracterizam ato ilícito”.

Entenda o que aconteceu

De acordo com os autos, a adolescente que sofreu a abordagem vexatória, que estava acompanhada de uma amiga também adolescente, já havia realizado o pagamento do produto comprado quando ocorreu a abordagem do segurança do supermercado. 

Ela foi revistada em público e acusada de furto diante dos demais clientes. Como nenhum produto subtraído foi encontrado, a adolescente foi liberada, mas voltou para casa nervosa e chorando.

O juízo de primeiro grau condenou o supermercado ao pagamento de indenização, o que foi confirmado pelo Tribunal de Justiça do Paraná.

O supermercado, não satisfeito com a decisão, interpôs recurso especial, no qual alegou, entre outros pontos, que não há elementos nos autos que demonstrem a extrapolação dos limites legais de fiscalização de seu patrimônio.

Como visto mais acima, o STJ confirmou a condenação.

Análise Jurídica – Abordagem vexatória

Para o Superior Tribunal de Justiça, a revista realizada por seguranças em estabelecimentos acomerciais é lícita, desde que seja conduzida de forma calma, educada, sem excessos e sem submeter o consumidor a qualquer constrangimento – o que não foi observado no caso sob julgamento.

As abordagens a clientes por suspeita de furto caracterizam relações de consumo e, por isso, a responsabilidade civil do estabelecimento comercial deve ser observada à luz da legislação consumerista.

Mas o que diz o código de defesa do consumidor – CDC?

O artigo 14, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor, define o serviço defeituoso como aquele que não fornece a segurança esperada pelo consumidor, levando-se em conta circunstâncias relevantes, como o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos razoavelmente esperados, bem como a época em que foi fornecido.

A prestação do serviço de qualidade pelos fornecedores abrange o dever de segurança, que, por sua vez, engloba tanto a integridade psicofísica do consumidor, quanto sua integridade patrimonial.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.
(CDC)

O fato do produto ou do serviço, também chamado de acidente de consumo, é um conceito estudado no contexto das relações consumeristas, e refere-se ao defeito no produto ou na prestação do serviço, que causa danos ao consumidor ou a terceiros

Na responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço o defeito extrapola a esfera do bem (econômica) e atinge a incolumidade física ou psíquica da pessoa, podendo gerar dano passível de reparação independentemente de culpa, cabendo ao fornecedor provar as excludentes de responsabilidade civil (inversão do ônus da prova).      

  • Produto defeituoso (artigo 12, CDC): o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, como sua apresentação, o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi colocado em circulação. O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. 
  • Serviço defeituoso (artigo 14, CDC): O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, como o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi fornecido. 

Além do mais, concretizando o mandamento constitucional de proteção dos consumidores (arts. 5º, XXXII, e 170, V, CF), o CDC determina o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, bem como a proteção de seus interesses econômicos, atendidos, entre outros, o princípio do reconhecimento da sua vulnerabilidade no mercado de consumo (art. 4º, I, CDC). 

Os estabelecimentos comerciais que disponibilizam, mediante fácil acesso, produtos ao público em geral, como é o caso dos supermercados, podem proteger seu patrimônio de possíveis crimes, como furtos e roubos. Por isso, é natural que invistam em câmeras de vigilância, alarmes, seguranças privados – tudo a formar uma rede de monitoramento, coibindo a ação de criminosos.

Tal postura nada mais é senão exemplo do exercício regular de um direito.

Dentre os mecanismos de que se valem os estabelecimentos comerciais, destaque-se a atuação dos seguranças privados (funcionários próprios ou terceirizados), que possuem, dentre suas atribuições, a de observar o comportamento dos consumidores e verificar atitudes suspeitas. 

Em situação de suspeita de furto, abordam-nos, para esclarecimentos e, eventualmente, revistas.

Mas esse procedimento, que é lícito, deve ser realizado de forma calma, educada, sem excessos e sem submeter o consumidor a qualquer constrangimento.

O artigo 187, do código civil, consagra o instituto do abuso de direito, que representa o uso excessivo no exercício de um direito regular.

“O abuso se comete, portanto, contra os limites sociais e éticos impostos à atividade individual na vida em sociedade”

(THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil: arts. 185 a 232, v. III, t. II; Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 112).

Assim reza o artigo 187, do CC:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
CC

A segurança privada de estabelecimentos comerciais deve ser limitada pela prudência e pelo respeito, garantindo ao consumidor a prestação de um serviço de qualidade.

Quando a abordagem for realizada fora desses limites, de modo a ocasionar exposição, constrangimento ou agressão ao consumidor, será considerada excessiva e passível de indenização por danos. 

Os excessos nas abordagens de segurança configuram abuso de direito e, consequentemente, caracterizam ato ilícito. 

Além das condutas subjetivas, que envolvem o trato com cordialidade, há critérios objetivos para verificar o excesso, como manter o tom de voz inalterado e evitar revistas em locais de grande movimentação.

Abordagem vexatória

Importante não confundir revista com busca pessoal.

Vejamos: 

RevistaBusca pessoal

A revista deve se limitar a pedidos de que o próprio consumidor revele o conteúdo que está em sua posse (de forma, educada, calma, e sem constrangimento).
É a revista que se faz no próprio corpo, no vestuário ou pertences transportados consigo por uma pessoa suspeita de estar ocultando alguma coisa relacionada à prática criminosa, incluindo a inspeção em certas partes do corpo humano.
Pode ser realizada por agentes de segurança privada.Somente pode ser realizado por autoridades judiciais, policiais ou seus agentes.

Portanto, os agentes de segurança privada não poderão tocar diretamente no consumidor ou em seus objetos pessoais. A revista deve se limitar a pedidos de que o próprio consumidor revele o conteúdo que está em sua posse. 

É dever dos estabelecimentos comerciais orientar seus funcionários ao trato digno e respeitoso com os clientes, mesmo diante da suspeita de cometimento de crime dentro do comércio. Abordagens e revistas ríspidas, rudes ou vexatórias, inclusive aquelas que envolvem o toque físico do agente, configura abuso de direito e caracteriza ato ilícito.

Mas no caso ora analisado, há um agravante: a vítima é uma adolescente.

De acordo com o art. 17 do ECA, “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.

Esses direitos são potencializados em relação às crianças e adolescentes, pois os danos que podem surgir em razão de sua inobservância são irreversíveis, acompanhando aquelas pessoas por toda a sua vida.

Já o artigo 18 do ECA não deixa dúvidas: é “dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.

O brilhante professor Guilherme Nucci traz os conceitos de forma didática (NUCCI, Guilherme. Estatuto da Criança e do Adolescente, 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2025, p. 48):

  • Violência: É toda forma de constrangimento físico ou moral;
  • Aterrorizante: É um termo forte, significando infundir pavor ou medo em alguém.
  • Vexatório: Insere-se no cenário da vergonha, criando situação humilhante.
  • Constrangedor: É um termo residual, que pode simbolizar violência, humilhação, imposição de medo, enfim, torna-se cláusula aberta, pois envolve qualquer tipo de coação. 

Conclusão – Abordagem vexatória

O STJ entende que é lícita a revista feita por segurança privada em crianças e adolescentes no âmbito de estabelecimentos comerciais, mas, diante de sua vulnerabilidade, os cuidados em abordagens e revistas em crianças e adolescentes devem ser maiores, em comparação com as abordagens em adultos (AgInt no AREsp n. 1.558.527/RJ, Quarta Turma, DJe de 28/5/2020).

Ótimo tema para provas de direito do consumidor e da criança e do adolescente.

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