Neymar quer mesmo privatizar nossas praias?

Neymar quer mesmo privatizar nossas praias?

Tramita no Congresso Nacional PEC que pode significar, segundo especialistas, a privatização de nossas praias.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

O Congresso Nacional colocou em pauta a PEC 3/2022, que prevê a transferência dos terrenos da costa brasileira, que pertencem à União, para estados e municípios – gratuitamente – ou para entidades privadas mediante pagamento, desde que tenham o imóvel legalizado ou estejam ocupando terrenos pelo menos cinco anos antes da mudança na constituição.

Essa PEC (Proposta de Emenda à Constituição), que está sendo chamada de “PEC das Praias”, é de relatoria do senador Flávio Bolsonaro, e está causando muitas polêmicas, o que incluiu troca de acusações entre o jogador Neymar e a atriz Luana Piovani.

Mas o que Neymar tem a ver com toda essa história?

Ele é sócio de um empreendimento que pretende transformar um trecho de 100 quilômetros do litoral nordestino, no chamado “Caribe brasileiro”. O projeto prevê a construção de 28 imóveis de alto padrão entre os litorais sul de Pernambuco e norte de Alagoas, com faturamento estimado em R$7,5 bilhões. E, segundo os críticos, o jogador se beneficiaria diretamente dessa PEC.

A atriz Luana Piovani repostou um vídeo em que a influencer Laila Zaid critica a PEC 3/2022. Em sua publicação, Luana criticava, ainda, o atleta por ele supostamente apoiar a emenda: “Meu sonho é que meus filhos esqueçam o Neymar, imagina se isso é ídolo?“, escreveu. A atriz ainda disse que Neymar era “um péssimo exemplo” como “pai, homem, cidadão e marido“, além de criticá-lo como atleta.

Neymar rebateu: mandou Piovani “voltar para o hospício” e a chamou de louca. “Não tira meu nome da boca. Quer ser famosa? Seu tempo já foi, era uma ótima atriz. Mas agora tem que enfiar um sapato na sua boca porque só fala m…

A incorporadora do projeto (Due Incorporadora) negou, em nota, qualquer benefício com a medida: “Nossos empreendimentos não sofrerão qualquer impacto, seja positivo ou negativo, com a PEC 3/2022, como levianamente imputado por algumas pessoas em seus canais de mídia social e replicado em alguns canais de comunicação”.

Assim, visto todo o contexto em que a PEC se insere, vamos à análise jurídica do tema.

Análise jurídica

As áreas de que trata a PEC são chamadas “terrenos de marinha”. Correspondem a uma faixa que começa 33 metros depois do ponto mais alto que a maré atinge. Ou seja, esses terrenos não abrangem a praia e o mar em si. Essa parte continuaria pública.

Os terrenos de marinha correspondem a uma camada mais atrás da praia, onde geralmente se localizam resorts, hotéis, restaurantes, bares.

Neymar
Foto: Ministério da Gestão e Inovação (MGI)

A faixa de terra entendida como “terrenos de marinha” foi delimitada ainda no Brasil Colônia, em 1831, e ainda abrange rios e lagos que sofrem influência das marés. É uma área relevante, já que representa em torno de 70% de todas as áreas em nome da União.

Decreto-Lei nº 3.438/1941

Art. 1º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 metros, medidos para a parte de terra, do ponto em que se passava a linha do preamar médio de 1831:

a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;

b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.

A União é a proprietária dos terrenos de marinha, como previsto no artigo 20, VII, da CF/88:

CF/88

Art. 20. São bens da União:

VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos;

ADCT

Art. 49…

§3º: “A enfiteuse continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima.

A enfiteuse é um direito real, previsto no Código Civil de 1916, por meio do qual o proprietário atribui perpetuamente a outrem o domínio útil de sua propriedade. Não é possível a instituição de novas enfiteuses, mas foi prevista a continuação das já existentes.

Atualmente a União pode conceder a pessoas ou empresas o uso desses terrenos de marinha (cessão de uso, por exemplo), inclusive com a aplicação das enfiteuses já existentes. Porém, a propriedade continua sendo pública.

É aqui que entra a PEC da Praias. Vejamos.

PEC das Praias

A proposta visa revogar o artigo 20, VII, da CF/88 e o §3º, do artigo 49, do ADCT. Ela permite a venda de terremos de marinha para pessoas ou empresas que já estejam ocupando a área e a transferência gratuita dessas áreas para Municípios e Estados, no caso de áreas afetadas ao serviço público estadual e municipal, inclusive as destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos.

Segundo a PEC, as enfiteuses de terrenos de marinha seriam extintas, adquirindo os possuidores (foreiros) o domínio pleno da área, ou seja, a posse e a propriedade.

Só permaneceriam com a União:

1) As áreas afetadas ao serviço público federal, inclusive as destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos e a unidades ambientais federais; e

2) As áreas não ocupadas.

O relator da proposta no Senado, Flávio Bolsonaro, diz que o texto vai permitir a transferência de 8,3 mil casas para moradores do Complexo da Maré e para quilombolas da Restinga de Marambaia – ilha também localizada no estado do Rio.

Críticas à proposta

a) Os críticos da proposta, como a diretora de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ana Paula Prates, explicam que o projeto abre brecha para “privatizar o acesso à praia, e não a praia em si“, já que a parte frequentada pelos banhistas continuaria com a União, mas o acesso poderia ser repassado à iniciativa privada.

Portanto, teríamos a exclusão do povo ao bem mais democrático que existe, que é a praia, onde todos podem frequentar e se divertir, independentemente de cor, religião, classe social.

b) Segundo ambientalistas, a PEC acaba por fragilizar a proteção do meio ambiente, já que é comum, nesses terrenos de marinha, a presença de restingas, dunas, mangues, entradas de rios, matas ciliares, enfim, áreas com enorme importância ambiental, e que são a salvaguarda para a adaptação da mudança climática, e que, a partir da proposta, estariam à mercê da iniciativa privada, que não tem a mesma preocupação ambiental que o poder público.

Favoráveis à proposta

a) Como disse o relator, Flávio Bolsonaro, o texto beneficiaria algumas comunidades através da transferência de propriedades. Portanto, haveria uma importante regularização da área, beneficiando milhares de famílias.

b) Ademais, políticos favoráveis argumentam que haverá um aumento na arrecadação de tributos. Estima-se que, com a venda desses terrenos, ingressem nos cofres públicos os seguintes valores:

  • pessoa física: R$42 bilhões;
  • pessoa jurídica: R$67 bilhões;
  • setor hoteleiro: R$1,7 bilhão;
  • ramo imobiliário: R$24 bilhões.

c) Os agentes econômicos preveem a criação de emprego e a geração de renda, o desenvolvimento da costa brasileira com o boom de negócios que a proposta possibilita, e o aumento do turismo.

Portanto, a PEC das Praias não significa a privatização direta de nossas praias, mas pode ser um fator dificultador do acesso a elas.

Outrossim, deve-se ter muita atenção para garantir que eventuais repasses de áreas para o setor privado não acarrete uma maior degradação do meio ambiente. Isso requer uma atenção redobrada dos órgãos ambientais de todo o país.

Por outro lado, a medida pode sim servir como um catalisador do desenvolvimento socioeconômico da região costeira, beneficiando milhares de famílias.

Por fim, não há comprovação da ligação direta entre o jogador Neymar e a proposta que visa privatizar parte dos terrenos de marinha. Essa discussão fica no campo da especulação e das fofocas.

O tema é interessantíssimo, podendo ser cobrado em prova de concurso. Portanto, vamos acompanhar seu desfecho com atenção.

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