* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
A Universidade de Brasília, através de sua reitora, Rozana Naves, determinou a expulsão do aluno Wilker Leão de Sá.
A Universidade de Brasília decidiu expulsar o estudante e youtuber Wilker Leão de Sá, condenado pela Justiça por calúnia e difamação contra um professor da instituição.
Wilker é conhecido por filmar as aulas e expô-las na internet, fazendo duras críticas a alunos e professores.
Wilker tem um canal no YouTube com quase 1 milhão de seguidores. Em um de seus vídeos, ele disse que se matriculou em história “justamente por ser um dos cursos que a esquerda mais dominou com suas narrativas ideológicas e doutrinárias… Combater isso é o meu principal objetivo dentro da universidade federal”.
O youtuber gravava e divulgava debates ocorridos no ambiente acadêmico sem autorização, provocando comentários racistas, machistas e homofóbicos nas redes sociais.
A Universidade justificou a expulsão com base nos seguintes argumentos:
• Reincidir em falta cominada com a pena máxima de suspensão;
• Caluniar, injuriar ou difamar membro da comunidade universitária;
• Desacatar membros dos corpos docente, discente ou técnico-administrativo;
• Praticar atos que violem os direitos humanos;
• Praticar atos incompatíveis com os valores da Universidade.
Mas não para por aí. O caso será encaminhado, ainda, ao Ministério Público Federal, à OAB/DF, à Polícia Federal e à Advocacia-Geral da União, entre outras áreas da própria UnB.
Wilker já havia sido suspenso anteriormente.
À época, a Universidade decidiu por abrir um processo para apurar a conduta de Wilker Leão, que consiste em “gravações sem a devida autorização, ocasionando prejuízo ao regular andamento de disciplinas, resultando, inclusive, em suspensão dessas aulas e, por consequência, ocasionando prejuízo também aos estudantes matriculados nessas disciplinas”.
Em decisão cautelar, a reitora proibiu o youtuber de participar das aulas de história da África e história do Brasil, por dois meses.
Wilker, não satisfeito, disse que iria recorrer da decisão:
“Isso confirma a minha tese: se você pensar de maneira divergente, por mais que seja com todo respeito do mundo, como eu tenho feito, você será perseguido de todas as maneiras. Eu sou ou não uma vítima desse autoritarismo?”
Polêmicas
Não é a primeira vez que Wilker se envolve em polêmicas ideológicas. Em agosto de 2022, filmou e provocou o ex-presidente Jair Bolsonaro após ele sair do Palácio da Alvorada, em Brasília.
Em agosto de 2024, uma professora do curso de história na UnB registrou boletim de ocorrência na Polícia Civil do Distrito Federal, no qual afirmou ser vítima de difamação por parte do influenciador, que publicou vídeos em que os dois debatiam dentro da sala de aula. Essas publicações teriam dado causa a ofensas e diversos comentários de ódio.
O Centro Acadêmico de História da UnB decidiu expulsar o youtuber dos espaços de convívio promovidos pela entidade estudantil, como debates, rodas de conversa, eventos públicos e espaço físico do Centro Acadêmico.

Vários estudantes afirmaram, após ter seus dados vazados através das publicações de Wilker, que foram vítimas de ameaças de violência física e comentários racistas, machistas e homofóbicos.
Em agosto de 2025, Wilker Leão já havia sido condenado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal por difamação e injúria contra um professor da disciplina de História da África.
O youtuber foi condenado inicialmente a 2 anos e 3 meses de detenção em regime aberto. Contudo, teve a pena convertida em duas multas de 15 salários mínimos cada — uma destinada ao professor e a outra a uma entidade social escolhida pela Justiça.
O estudante gravou e divulgou em redes sociais vídeos das aulas sem autorização, com comentários ofensivos e depreciativos contra um professor.
De acordo com a Justiça, o estudante atingiu a honra do professor ao expor o que chamava de “doutrinação comunista” no curso de história.
Análise jurídica
Quais as implicações jurídicas desse fato? O que diz o ordenamento jurídico sobre a possibilidade de o aluno gravar e divulgar as aulas do professor?
Primeiro temos que fazer uma diferenciação: entre universidades privadas e universidades públicas.
Em seguida, outra diferenciação: entre gravação e publicação.
Universidades privadas
Vamos começar pelas universidades privadas, onde o tema é menos polêmico.
A relação entre o aluno e a universidade privada é regido pelo direito privado, onde impera a autonomia da vontade, instrumentalizado através de um contrato de prestação de serviços educacionais.
Portanto, se no contrato houver a previsão da possibilidade de o aluno gravar as aulas para uso pessoal, para fins de estudo, sem intuito de lucro, não há problema, haja vista que as partes (universidade, professor e aluno) já sabem, de antemão, dessa possibilidade, e houve acordo contratual neste sentido: pacta sunt servanda.
Em relação à divulgação dessas filmagens para fins comerciais, com intuito de lucro, ou para fins ideológico-políticos, podemos perceber alguns empecilhos jurídicos, haja vista que envolve a cessão do direito de imagem do professor, que é um direito personalíssimo do docente, além da possibilidade de geração de danos morais através da edição e descontextualização dos vídeos, que geralmente atraem comentários odiosos, preconceituosos e violentos.
Pode-se considerar a aula como uma criação intelectual, e, portanto, sujeita à lei dos direitos autorais.
Criação intelectual é toda aquela criação intelectual que é resultante de uma criação do espírito humano (intelecto), revestindo-se de originalidade, inventividade e caráter único e plasmada sobre um suporte material qualquer.
Propriedade intelectual
Já a propriedade intelectual é o instrumento relacionado com a proteção legal e reconhecimento de autoria de obra de produção intelectual tais como invenções, patentes, marcas, desenhos industriais, indicações geográficas e criações artísticas. Ela garante ao autor o direito, por um determinado período, de explorar economicamente sua própria criação.
A própria Lei nº 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais) prevê, em seu art. 46, IV, que não constitui ofensa aos direitos autorais o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou.
Portanto, segundo a norma, há necessidade de autorização expressa do professor que ministrou a aula para que haja sua publicação.
Além do mais, a Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) prevê, em seu art. 3º, como princípios do ensino no país, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber, o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e o respeito à liberdade e apreço à tolerância.
A divulgação de aulas, principalmente sem a anuência do professor, pode servir como um limitador da liberdade de ensino, sem falar nas implicações de ordem moral, atraindo comportamentos intolerantes e odiosos.
Nas instituições privadas de ensino, buscar o consentimento das partes (universidade e professor) parece ser o caminho mais justo, e menos espinhoso para a gravação e divulgação de aulas pelo aluno.
Universidades públicas
Quando falamos de universidades públicas, o tema é bem mais complexo. Além das implicações que já falamos em relação às instituições privadas (direito autoral, danos morais, direito de imagem), temos uma relação de direito público aplicável, e não de direito privado.
Aqui, o interesse público deve se sobrepor ao interesse privado. Estamos diante de uma relação regida primordialmente não pela autonomia da vontade, mas pelos princípios próprios da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, insculpidos no art. 37, da Constituição Federal.
Um conjunto de leis e princípios próprios do serviço público rege a relação entre aluno, professor e universidade pública.
Portanto, em tese, pode haver lei ou regulamento que permita a gravação das aulas para fins de estudo, sem intuito de lucro.
Neste caso, o professor, ao tomar posse no cargo público, aceita o regime jurídico aplicável, não podendo, posteriormente, se opor.
Em relação à divulgação, cabem as mesmas preocupações atinentes às universidades privadas: exploração comercial (ainda mais quando se trata de um serviço que é prestado de forma gratuita pelo Estado), uso indevido do direito de imagem e politização do conteúdo pedagógico, com o enorme potencial de gerar danos extrapatrimoniais ao professor (comentários racistas, preconceituosos, perseguição pública).
Parte da doutrina ainda enxerga na teoria do órgão (ou teoria da imputação volitiva) uma chancela para a possibilidade de gravação das aulas (mas não a publicação), haja vista que, nesse caso, a atuação é imputada não à pessoa física do professor, mas sim ao próprio Estado.
Teoria do órgão é a teoria segundo a qual toda atuação do agente público deve ser imputada ao órgão que ele representa, ou seja, à pessoa jurídica para a qual trabalha, e não à sua pessoa.
Ou seja, o aluno não estaria gravando o professor em si, mas o exercício de um serviço público prestado pelo próprio Estado. Há, portanto, uma despersonificação da atuação do professor, que não sofreria maiores prejuízos.
Conclusão
O tema é extremamente complexo, e cada vez mais necessário para reflexão, haja vista o avanço tecnológico apresentado, e sua inserção no contexto do ensino brasileiro, em especial no universitário.
Ótimo tema para provas de direito constitucional e direito civil. Portanto, muita atenção!
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