Racismo estrutural e a falha do sistema de justiça brasileiro: o caso Dos Santos Nascimento (16º condenação do Brasil pela Corte IDH) e o paralelo com Simone André Diniz

Racismo estrutural e a falha do sistema de justiça brasileiro: o caso Dos Santos Nascimento (16º condenação do Brasil pela Corte IDH) e o paralelo com Simone André Diniz

A recente condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no caso Dos Santos Nascimento e Ferreira Gomes vs. Brasil expõe, mais uma vez, a persistência do racismo estrutural e a ineficácia do sistema de justiça na sua repressão. Esta é a 16ª condenação do Brasil pela Corte IDH, reforçando um padrão de negligência estatal na proteção dos direitos humanos.

Condenação do Brasil

O caso guarda semelhanças com Simone André Diniz vs. Brasil, analisado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), outro órgão do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

A CIDH e a Corte IDH formam esse sistema regional de proteção, criado no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) para garantir o cumprimento dos direitos humanos nos países membros. Enquanto a Comissão recebe denúncias e pode fazer recomendações, a Corte é um tribunal internacional que julga Estados que descumprem suas obrigações.

Os dois casos revelam como a justiça brasileira falha sistematicamente na investigação e punição de crimes raciais, perpetuando a desigualdade histórica gerada pela colonialidade do poder e pela estratificação social baseada na raça. A herança do colonialismo e a influência eurocêntrica continuam moldando as instituições, tornando o acesso à justiça desigual para a população negra.

O caso: discriminação racial no mercado de trabalho e a inércia do judiciário

Em 1998, Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes foram impedidas de concorrer a uma vaga na empresa NIPOMED por serem negras. No mesmo dia, uma candidata branca, com igual qualificação, foi contratada para a mesma função. Após denúncia, um processo criminal foi instaurado contra o recrutador, mas enfrentou sucessivas barreiras:

  • 1999: Absolvição por “falta de provas”;
  • 2004: Condenação do acusado a dois anos de prisão;
  • 2005: Declaração de prescrição da pena;
  • 2009: Absolvição final pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

A Corte IDH condenou o Brasil por falha na devida diligência na investigação e julgamento, evidenciando a reprodução do racismo institucional pelo sistema de justiça.

O mesmo ocorreu no caso Simone André Diniz vs. Brasil, analisado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2006. Simone foi impedida de concorrer a uma vaga de emprego doméstico porque a empregadora só aceitava candidatas brancas. Apesar das provas, a justiça brasileira arquivou o caso. A CIDH considerou o Brasil internacionalmente responsável por omissão na repressão da discriminação racial, estabelecendo um precedente que se repetiria na Corte IDH no caso das pesquisadoras.

Racismo estrutural, colonialidade e eurocentrismo: a base do problema

O racismo estrutural não se resume a atos isolados de preconceito, mas se manifesta nas instituições, no mercado de trabalho e no sistema de justiça. No Brasil, a colonialidade do poder explica como as hierarquias raciais implantadas no período colonial permanecem na sociedade contemporânea, marginalizando a população negra e dificultando seu acesso à justiça.

Desde a abolição da escravidão, o Brasil não adotou políticas reparatórias, mantendo uma estratificação social onde pessoas brancas concentram poder e privilégios, enquanto negros enfrentam barreiras institucionais e sociais. A decisão da Corte IDH confirma essa realidade ao demonstrar que a omissão do Ministério Público e do Judiciário reforça a impunidade da discriminação racial.

Evolução da lei brasileira e avanços recentes

O Brasil demorou a criminalizar o racismo de forma eficaz. A Constituição de 1988 foi um marco ao estabelecer a imprescritibilidade do crime de racismo (art. 5º, XLII), posteriormente regulamentada pela Lei nº 7.716/1989. No entanto, a legislação brasileira tratava a injúria racial de forma bastante branda (com pena privativa de liberdade que ia de 1 a 3 anos) e processada mediante ação penal pública condicionada a representação.

Isso mudou com a Lei nº 14.532/2023, que equiparou a injúria racial ao crime de racismo. Esse avanço legislativo é essencial para enfrentar a impunidade, mas, como demonstram os casos analisados, a aplicação da lei pelo sistema judicial ainda é um grande desafio.

Consequências e reflexões sobre o sistema de justiça

A 16ª condenação do Brasil pela Corte IDH reforça o alerta sobre a incapacidade do sistema de justiça em combater o racismo. A falta de diligência investigativa, a prescrição indevida e a revitimização fazem parte de um padrão de omissão estatal.

Para enfrentar esse problema, a Corte IDH determinou que o Brasil:

  • Reconheça publicamente sua responsabilidade internacional;
  • Aprimore protocolos de investigação e julgamento de crimes raciais;
  • Inclua conteúdos sobre discriminação racial na formação de magistrados e promotores.

A decisão da Corte reforça que o racismo não é um problema individual, mas estrutural e institucionalizado, exigindo mudanças profundas na justiça e na sociedade brasileira. Enquanto a discriminação racial for normalizada e a impunidade persistir, casos como esses continuarão a ocorrer.


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