Arrombamento de portas, armas, viaturas, helicópteros, entrevistas… é assim que muitos imaginam a rotina de um policial. No entanto, muito antes de qualquer operação, o labor de um policial federal envolve bastante trabalho em equipe e uma rotina intensa.
A rotina diária de um delegado da Polícia Federal (PF), especificamente, é marcada por uma série de responsabilidades complexas e variadas, refletindo a importância desse cargo dentro do sistema de segurança pública e da justiça no Brasil. O delegado da PF é figura central na aplicação das leis federais, conduzindo investigações criminais de grande relevância e coordenando operações com implicações nacionais e internacionais.
Neste contexto, tecerei informações de como se dá o ingresso na instituição e detalharei as atividades de um delegado da Polícia Federal. Acredito que, a partir dessas considerações, futuros concurseiros poderão analisar e decidir se têm vocação para o cargo.
Fases do Concurso de Delegado
Quem se imagina como delegado de Polícia Federal precisa saber que o concurso público possui diversas fases ou etapas.
Em primeiro lugar, temos a chamada “fase objetiva”, que consiste na prova de múltipla escolha. Em seguida, para testar os conhecimentos jurídicos do candidato e sua produção textual, é aplicada e corrigida a prova escrita.
Posteriormente, é necessário avaliar o condicionamento físico do candidato. Para isso, é aplicado o teste de aptidão física. O último concurso incluiu os exercícios de barra fixa, impulsão horizontal, natação e corrida.
O futuro delegado ainda terá que passar por uma investigação social, que consiste na análise da vida pregressa do candidato, além de aplicação de prova oral e de títulos.
Após todas essas etapas, o candidato deverá frequentar a Academia Nacional de Polícia para, só então, em sendo aprovado, assumir o cargo de delegado da PF.
Academia Nacional de Polícia (ANP)
A ANP está localizada em Brasília e consiste em um curso de formação inicial obrigatório para todos os futuros policiais federais. Além disso, oferece diversos cursos para o aprimoramento dos futuros servidores.
O candidato enfrentará diversos obstáculos e aprenderá diferentes matérias, as quais serão essenciais para a sua atuação no futuro. O curso é classificatório e eliminatório. Isso significa que, caso alguém não obtenha a nota mínima em determinadas matérias, será excluído da ANP e não poderá assumir o cargo.
É importante notar que, diferente de outros certames, não é a classificação no concurso que define quem escolherá primeiro suas lotações, mas sim a sua posição dentro da ANP, após todas as avaliações internas.
A título de curiosidade, a última ANP ocorreu em período de pandemia, por isso foi instituído um regime de internato. Dessa forma, os candidatos não puderam sair da ANP nem nos fins de semana, permanecendo isolados durante todo o período do curso.
Organização interna da instituição Polícia Federal
Em primeiro lugar, é importante explicar que a Polícia Federal se divide entre suas Superintendências Regionais (SRs) e as delegacias descentralizadas.
As SRs, em sua maioria, estão localizadas nas capitais de cada estado e no Distrito Federal. As descentralizadas, por sua vez, estão situadas no interior dos estados, em locais estratégicos para o combate ao crime. Em virtude da experiência deste autor e pela particularidade de cada SR, este trabalho se concentrará, especialmente, no trabalho das delegacias fora das capitais.
Equipe Policial
Embora seja pouco conhecido pelo público em geral, a maior parte das grandes operações da Polícia Federal resulta do trabalho de uma equipe pequena. Na maioria dos locais, uma equipe é formada por um delegado e um escrivão, que ficam responsáveis por uma quantidade específica de inquéritos.
Os agentes fazem parte do núcleo de operação e/ou análise, recebendo suas atribuições por meio dos despachos de um delegado. Os papiloscopistas e peritos são requisitados quando seus conhecimentos específicos são necessários.
Uma grande operação, portanto, só ocorre após o início de uma investigação presidida por um delegado e um escrivão, que contam com o apoio e conhecimentos específicos de outros policiais.
Somente no momento da deflagração de uma operação, ou seja, no cumprimento de um Mandado de Busca e Apreensão ou de Prisão, pode ocorrer um pedido de apoio operacional de outras delegacias para o cumprimento de todas as etapas. É justamente esse momento que mais aparece na imprensa.
Perceba, portanto, que o dia a dia de um delegado consiste numa tarefa rotineira de condução de inquéritos com uma pequena equipe.
Inquéritos – chegada na lotação pelo Policial
Uma parte significativa do dia a dia de um delegado da PF é dedicada à investigação criminal. De acordo com o art. 2º da Lei 12.830/13, “As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado”. Essa disposição legal ressalta a importância do papel do delegado na condução de investigações criminais.
Ao chegar em sua nova lotação, o servidor provavelmente herdará uma carga de inquéritos que não eram originalmente suas.
Isso significa que será necessário analisar e verificar o que deve ser feito com mais urgência. Com o tempo, o servidor conseguirá organizar os inquéritos “em ordem” e controlar a carga conforme seja necessário.
Inquéritos – Rotina Diária do Delegado
No contexto das investigações, o delegado exerce sua função jurídica conduzindo o inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, com o objetivo de apurar as circunstâncias, a materialidade e a autoria das infrações penais.
A rotina diária de um delegado da PF, propriamente dita, consiste em despachar e relatar inquéritos policiais como atividade principal. Essa função, embora pareça simples, apresenta diversos desafios.
Em primeiro lugar, nenhuma atividade será realizada de forma unilateral pelo delegado. O trabalho de polícia é uma atividade de equipe. É importante, portanto, estabelecer uma boa relação com os colegas de delegacia para que as funções sejam exercidas de forma efetiva.
Em regra, o delegado despacha, o escrivão cumpre os itens do despacho, e os agentes cumprem tarefas que fazem parte de sua atividade, como trabalho de campo ou até mesmo análise de dados. Como dito acima, o perito e o papiloscopista atuam quando seus conhecimentos específicos são necessários.
Além de tudo isso, é preciso estabelecer uma linha de comunicação com o Poder Judiciário e o Ministério Público, que atuarão em conjunto com o delegado para o andamento regular do inquérito.
De forma geral, as atividades de investigação podem incluir a tomada de depoimentos, tanto de testemunhas quanto de suspeitos. Nessas ocasiões, o delegado deve aplicar técnicas de interrogatório para obter informações relevantes, sempre observando os preceitos constitucionais, legais e éticos que regem a atuação policial. Além disso, o delegado pode precisar emitir mandados de busca e apreensão ou de prisão, dependendo do andamento das investigações e das evidências obtidas.
Esfera Administrativa no Trabalho de Delegado
Além da âmbito de Polícia Judiciária, caracterizada pela condução de inquéritos policiais, o delegado da PF também precisará, em muitas ocasiões, lidar com atividades administrativas da instituição.
São funções da Polícia Federal, por exemplo, a atividade de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras (art. 144, §1º, III, da CRFB) e até mesmo a expedição de registro de armas de fogo (art. 5º, §1º, da Lei 10.826/03).
Uma função interessante que pode ser destacada é a atribuição da PF para investigação nos crimes que atentam contra atividades nucleares. Essa função implica não só a investigação, mas a participação do servidor em atividades conjuntas com representantes de outros órgãos que também possuam alguma finalidade dentro do Programa Nuclear Brasileiro.
Para mais detalhes, este autor possui um texto específico sobre essa última função intitulado “Polícia Federal no Programa Nuclear Brasileiro”. O texto está presente no site do Carreiras Jurídicas do Estratégia.
Sistemas Utilizados pelo Policial
São diversos os sistemas utilizados pela Polícia Federal. Primeiro, existe o sistema próprio utilizado pelos policiais para o controle dos inquéritos, chamado Epol. Como só a PF tem acesso a esse sistema, normalmente as peças são carregadas em outro local para que o Ministério Público, o Poder Judiciário e até advogados tenham acesso aos autos. No Rio de Janeiro, o sistema que recebe as peças dos inquéritos rotineiros é o Eproc.
Existem ainda vários outros sistemas, como o utilizado para aprovação de missões, para recebimento de dados do sistema financeiro, para expedição de registro de armas de fogo ou até mesmo para acesso a dados cadastrais.
É importante que o delegado mantenha sempre suas senhas a salvo e saiba operar em todos os sistemas, o que, por si só, já constitui um grande desafio, tendo em vista a quantidade de sistemas a serem operados/acessados.
Sobreaviso na Polícia Federal
Como é cediço, a atividade policial exige que o servidor esteja preparado para ser convocado no momento da ocorrência de um crime, que pode acontecer em horários inoportunos.
Para resolver essa situação, boa parte das delegacias descentralizadas conta com o chamado sobreaviso. Esse sistema faz um rodízio entre os servidores e seus cargos para que fiquem responsáveis por qualquer ocorrência que transcorra nos seus respectivos dias. Hoje, o sobreaviso é pago pelo tempo em que o servidor fica em disponibilidade. No entanto, a Instituição avisou que não existe verba para esse pagamento e, por isso, novas resoluções estão sendo discutidas.
É interessante salientar que algumas Superintendências contam com uma delegacia especializada em flagrantes e ocorrências. Desse modo, em vez de sobreaviso, esses setores especializados contam com servidores disponíveis, vinte e quatro horas por dia, que, posteriormente, compensam esse horário com dias de folga.
Articulação com outras organizações pelo Delegado
O cargo de delegado da PF acaba envolvendo uma grande colaboração com outras instituições, seja no âmbito nacional ou internacional. É comum o servidor ter de atuar em conjunto com Ministério Público Federal, Tribunal Regional Federal e até outros órgãos de segurança pública, como Polícia Militar ou Civil. Essa colaboração é essencial para a obtenção de resultados dentro das investigações.
Já no âmbito internacional, o delegado pode precisar lidar com agências tais como Interpol, DEA (Drug Enforcement Administration) dos Estados Unidos ou até a Europol. Essa comunicação é particularmente importante em crimes que ultrapassam fronteiras nacionais, como lavagem de dinheiro ou tráfico internacional de drogas e/ou armas.
Portanto, o bom relacionamento com outras instituições é essencial para a efetividade dos trabalhos.
Dia de operação na Polícia Federal
Talvez a atividade mais conhecida da Polícia Federal sejam as operações. Elas ocorrem em momentos específicos da condução dos inquéritos, mais precisamente, quando é necessário realizar uma ação específica como uma busca e apreensão ou até prisão, por exemplo.
Como mencionado, normalmente o dia a dia dos inquéritos é conduzido apenas por um delegado e um escrivão, com o apoio específico de outros cargos, ou seja, uma equipe pequena. No entanto, dependendo da quantidade e da localização das buscas ou prisões, pode ser necessário pedir apoio a outras equipes. É nesse momento que se constituem as grandes operações que aparecem na mídia.
Uma equipe de operação normalmente se constitui de um delegado, um escrivão e dois agentes. Dependendo da medida a ser cumprida, pode ser necessário um servidor com conhecimento específico ou uma até uma equipe especializada.
O dia de operação conta com briefings para determinar os objetivos a serem alcançados. Nesse momento, a atividade do delegado é imprescindível, já que ele é considerado o chefe da equipe e, portanto, responsável pelo sucesso de suas diligências.
Como anteriormente salientado, no dia da operação é importante haver conversa e planejamento da equipe. Sempre são realizados estudos do alvo e da localidade preliminarmente a qualquer diligência, de modo que a equipe deve se preparar da melhor maneira possível para realizar suas tarefas.
Conclusão
Concluindo, o dia a dia de um delegado da Polícia federal possui diversas facetas e exige, além da própria atividade de investigação e operações policiais, uma gestão administrativa e até cooperação com outras instituições. O sucesso no cumprimento da função depende da capacidade do policial de gerenciar todas essas atividades inerentes ao cargo e, ao mesmo tempo, tomar decisões importantes sob pressão e garantir que todas as ações respeitem os fundamentos constitucionais e legais.
Como visto, a Lei 12.830/13, de suma importância para a função de delegado, ressalta a importância do cargo e garante o fundamento legal necessário para que o servidor possa conduzir investigações criminais com a necessária autonomia.
Como visto, a responsabilidade, complexidade e capacidade de lidar com diversas tarefas simultaneamente, fazem do delegado de Polícia Federal uma figura central no combate ao crime no país. Além disso, a função exigirá também um senso de dever e dedicação de servir à sociedade de forma profunda.
Ficou com alguma dúvida? Tem alguma curiosidade a mais? Gostaria de um desenvolvimento maior em algum tópico? Deixe um comentário para, quem sabe, termos uma parte 2.
Espero ter solucionado a dúvida de alguns e estimulado outros futuros policiais federais deste país. Grande abraço!
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