Olá, pessoal, tudo certo?!
Em 25/02/2024, foi aplicada a prova objetiva do concurso público para Procurador do Estado do Rio Grande do Norte. Assim que encerrada, nosso time de professores elaborou o gabarito extraoficial, que, agora, será apresentado juntamente com a nossa PROVA COMENTADA.
Este material visa a auxiliá-los na aferição das notas, elaboração de eventuais recursos, verificação das chances de avanço para fase discursiva, bem como na revisão do conteúdo cobrado no certame.
Desde já, destacamos que nosso time de professores identificou 2 questões passíveis de recurso, por apresentarem duas ou nenhuma alternativa correta, como veremos adiante. No tipo de prova comentado, trata-se das questões 17 e 66.
De modo complementar, elaboramos também o RANKING da PGE-RN, em que nossos alunos e seguidores poderão inserir suas respostas à prova, e, ao final, aferir sua nota, de acordo com o gabarito elaborado por nossos professores. Através do ranking, também poderemos estimar a nota de corte da 1º fase. Essa ferramenta é gratuita e, para participar, basta clicar no link abaixo:
Além disso, montamos um caderno para nossos seguidores, alunos ou não, verem os comentários e comentar as questões da prova! Confira AQUI!
Por fim, comentaremos a prova, as questões mais polêmicas, as possibilidades de recurso, bem como a estimativa da nota de corte no TERMÔMETRO PÓS-PROVA, no nosso canal do Youtube. Inscreva-se e ative as notificações! Estratégia Carreira Jurídica – YouTube
Prova Comentada Direito Civil
QUESTÃO 21. De acordo com as disposições da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), assinale a opção correta.
a) A revogação de dispositivo do Código Civil atual restaura automaticamente norma contida no anterior.
b) As correções do texto de lei já em vigor devem ser consideradas como lei nova.
c) A lei que vier a revogar parcialmente o Código Civil, em regra, passará a vigorar em todo o país imediatamente após a sua publicação.
d) Se, antes da entrada em vigor da lei que vier a alterar o Código Civil, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada à sua correção, o prazo para o início de vigência da lei não sofrerá alteração.
e) Aquele que não tiver acompanhado o processo legislativo da lei que vier a alterar o Código Civil poderá se escusar de cumpri-la, sob o argumento de que não a conhece.
Comentários
A alternativa correta é a letra B.
A alternativa A está incorreta, nos termos do art. 2º, §3º, da LINDB: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”. Trata-se do instituto da “repristinação”, segundo o qual ocorreria a recuperação da vigência de uma lei revogada pela perda de vigor da lei revogadora. Além disso, de acordo com a doutrina de Cristiano Chaves: “Partindo da opção da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, é possível afirmar: (i) a proibição da repristinação, significando que a revogação da lei revogadora não restaura os efeitos da lei revogada; (ii) a possibilidade de efeitos repristinatórios quando houver expressa disposição nesse sentido. Em outras palavras, quando revogada uma lei por outra, sobrevindo nova revogação dessa segunda lei, não se restauram os efeitos daquela primeira, salvo expressa previsão em contrário. Exemplificando: se a Lei A é revogada pela Lei B e, em seguida, vem a Lei C e revoga a Lei B, não se restauram os efeitos da Lei A, salvo expressa previsão legal”.
A alternativa B está correta, conforme disposição expressa do art. 1º, §4º, da LINDB: “As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova”.
A alternativa C está incorreta, pois, em regra, passará a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias após a sua publicação, conforme dispõe o caput do art. 1º da LINDB: “Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”.
A alternativa D está incorreta, pois, nessa hipótese, o prazo sofrerá alteração e começará a correr da nova publicação, consoante dispõe o art. 1º, §3º, da LINDB: “Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação”.
A alternativa E está incorreta, pois, nos termos do art. 3º da LINDB: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. Trata-se do princípio da obrigatoriedade das leis. De acordo com Cristiano Chaves: “Na verdade, muito embora não seja real, concreto, o conhecimento geral de todas as normas que compõem o ordenamento jurídico, impõe-se um dever geral de conhecimento decorrente da necessidade de segurança e estabilidade social, garantindo a eficácia global da ordem jurídica, até mesmo em face da complexidade e dificuldade técnica de viabilizar conhecimento geral. Por isso, as normas contam com uma efetividade social, independentemente de serem conhecidas, ou não, pela coletividade”.
QUESTÃO 22. A luz do disposto no Código Civil, assinale a opção correta acerca da capacidade civil
a) Os pais podem, voluntariamente, emancipar filho(a) que tenha 16 anos de idade incompletos.
b) Aquele que, por causa permanente, não consegue exprimir sua vontade é considerado absolutamente incapaz.
c) São absolutamente incapazes os viciados em tóxicos.
d) A legislação civil permite ao menor de idade emancipar-se caso ele ingresse em curso de ensino superior.
e) Os pródigos são considerados relativamente incapazes.
Comentários
A alternativa correta é a letra E.
A alternativa A está incorreta, pois a emancipação voluntária (outorgada pelos pais) somente pode ser concedida a menores que já tenham, pelo menos, 16 anos de idade. Nesse sentido, o parágrafo único do art. 5º do Código Civil dispõe que: “Cessará, para os menores, a incapacidade: I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos”.
A alternativa B está incorreta, pois é considerado relativamente incapaz. Dispõe o art. 4º, III, do Código Civil que: “Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade”.
A alternativa C está incorreta, pois os viciados em tóxicos são relativamente incapazes. De acordo com o art. 4º, II, do Código Civil: “Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico”.
A alternativa D está incorreta, pois a hipótese de emancipação legal prevista no art. 5º, parágrafo único, IV, do Código Civil exige a colação de grau em curso superior, assim, não é possível a emancipação em caso de simples ingresso no curso superior. Conforme o dispositivo mencionado: “Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: IV – pela colação de grau em curso de ensino superior”.
A alternativa E está correta, nos termos do art. 4º, IV, do Código Civil: “São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: IV – os pródigos”. De acordo com Cristiano Chaves: “o pródigo, conforme o entendimento da legislação brasileira, é a pessoa que, desordenadamente, gasta os seus haveres, dilapidando o seu patrimônio, de modo a comprometer a sua subsistência”. Ainda sobre o tema, o autor destaca que “a incapacidade do pródigo somente atinge a prática de atos de natureza patrimonial, não gerando limitações aos atos de cunho existencial, como o exercício do poder familiar, o direito ao voto e o testemunho em um processo”.
QUESTÃO 23. A empresa XYZ Ltda. propôs ação judicial contra a associação civil ABC requerendo a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais. Em primeira instância, o pedido foi julgado procedente. A decisão foi mantida em segunda instância e transitou em julgado. Iniciou-se cumprimento de sentença e, em razão da tentativa infrutífera de penhora dos bens do patrimônio da associação civil ABC, a empresa XYZ Ltda. requereu a desconsideração da personalidade jurídica da ré.
Considerando a situação hipotética apresentada, o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Código Civil e a doutrina majoritária acerca do assunto, assinale a opção correta
a) Ocorrida a desconsideração da personalidade jurídica de associação civil, o pagamento do débito será arcado com o patrimônio de todos os associados.
b) Para a desconsideração da personalidade jurídica, exige-se a demonstração, pela empresa XYZ Ltda., do desvio de finalidade e da confusão patrimonial.
c) O Código Civil adota a teoria menor da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
d) Em razão de a associação civil não ter fins econômicos, não é possível a desconsideração da sua personalidade jurídica.
e) Na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, haverá a imputação de responsabilidade patrimonial apenas aos associados que estão em posição de poder na condução da pessoa jurídica.
Comentários
A alternativa correta é a letra E.
A alternativa A está incorreta, pois, nessa hipótese, o pagamento do débito não será arcado com o patrimônio de todos os associados. De acordo com o STJ, na desconsideração da personalidade jurídica de associação civil, a responsabilidade patrimonial deve se limitar aos associados em posições de poder na condução da entidade. Para o colegiado, não se pode estender essa responsabilização ao conjunto dos associados, os quais têm pouca influência na eventual prática de irregularidades. Nesse sentido segue trecho da ementa do REsp 1.812.929, no qual o STJ decidiu que a desconsideração da personalidade jurídica de associação civil é possível, mas só atinge dirigentes. Vejamos: “4. É admissível a desconsideração da personalidade jurídica de associação civil, contudo a responsabilidade patrimonial deve ser limitada apenas aos associados que estão em posições de poder na condução da entidade, pois seria irrazoável estender a responsabilidade patrimonial a um enorme número de associados que pouco influenciaram na prática dos atos associativos ilícitos. 5. No caso dos autos, a desconsideração da personalidade jurídica da associação está atingindo apenas o patrimônio daqueles associados que exerceram algum cargo diretivo e com poder de decisão dentro da entidade, bem como se reconheceu o abuso da personalidade jurídica, porquanto o regime jurídico próprio das formas associativas sofreu distorções e desvirtuamento de seu propósito. Infirmar tais conclusões demandaria o reexame de provas, o que é vedado nesta instância extraordinária, sob pena de incidência do óbice da Súmula 7/STJ. (REsp n. 1.812.929/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 28/9/2023.)”
A alternativa B está incorreta, pois, de acordo com o art. 50 do Código Civil, é possível desconsiderar a personalidade jurídica em caso de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Dispõe o mencionado dispositivo legal que: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”.
A alternativa C está incorreta, pois o Código Civil adota a teoria maior da desconsideração. Aduz Cristiano Chaves que: “De acordo com o art. 50 do Código Civil, é possível desconsiderar a personalidade jurídica, por ato judicial, em caso de abuso de direito caracterizado por (i) desvio de finalidade ou (ii) confusão patrimonial, deixando antever uma opção explícita pela teoria maior objetiva da desconsideração da personalidade jurídica, não perquirindo de elementos de natureza subjetiva (não se discute o grau de intenção fraudulenta dos sócios)”. O autor acrescenta que “malgrado o Código Civil, em seu art. 50, tenha optado pela teoria maior, noutros diplomas legais é acolhida a teoria menor, permitindo a desconsideração, em determinadas hipóteses, independentemente do abuso ou da fraude, como se vê do § 5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e da Lei Ambiental, emprestando uma maior funcionalização à disregard doctrine, diante de determinados casos concretos”.
A alternativa D está incorreta, pois, de acordo com o entendimento do STJ, é possível a desconsideração da personalidade jurídica de associação civil. Segundo afirma o ministro Marco Aurélio Bellizze, embora haja diferenças estruturais e funcionais entre sociedades empresárias e associações, a desconsideração de associação civil é possível. Segue trecho do voto do relator: “Sendo assim, aplicar a desconsideração da personalidade às associações do mesmo modo que se adota para as sociedades empresárias não se mostra possível, uma vez que, para estas, a disregard doctrine implica, via de regra, a responsabilização patrimonial de todos os sócios de maneira indistinta. No entanto, para as associações civis deve-se levar em consideração a pertinência que se estabelece com o grupo, o potencial maior número de associados e a natural dissociação entre a posição de administração da pessoa jurídica e a simples posição de pertencimento a esta, o que acaba por causar grandes embaraços para a incidência da desconsideração de forma simplista”.
A alternativa E está correta, conforme a decisão da Terceira Turma do STJ no REsp 1.812.929, segundo a qual a desconsideração da personalidade jurídica de associação civil é possível, mas só atinge dirigentes. Segue trecho da ementa: “4. É admissível a desconsideração da personalidade jurídica de associação civil, contudo a responsabilidade patrimonial deve ser limitada apenas aos associados que estão em posições de poder na condução da entidade, pois seria irrazoável estender a responsabilidade patrimonial a um enorme número de associados que pouco influenciaram na prática dos atos associativos ilícitos. 5. No caso dos autos, a desconsideração da personalidade jurídica da associação está atingindo apenas o patrimônio daqueles associados que exerceram algum cargo diretivo e com poder de decisão dentro da entidade, bem como se reconheceu o abuso da personalidade jurídica, porquanto o regime jurídico próprio das formas associativas sofreu distorções e desvirtuamento de seu propósito. Infirmar tais conclusões demandaria o reexame de provas, o que é vedado nesta instância extraordinária, sob pena de incidência do óbice da Súmula 7/STJ. (REsp n. 1.812.929/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 28/9/2023.)”
QUESTÃO 24. Pedro comprou um carro usado de seu vizinho, com a intenção de presentear seu filho João, que completara a maioridade civil. Pedro ficou satisfeito com o veículo, inclusive porque verificou que a ele havia sido acoplado um rastreador móvel, o qual seria relevante, na opinião de Pedo, para a segurança de João. Foi celebrado o contrato de compra e venda do automóvel, contudo, ao receber o bem, Pedro verificou que o rastreador fora retirado do veículo. Ao questionar o vendedor sobre a retirada do equipamento, Pedro foi informado de que a aquisição do equipamento não havia sido convencionada.
Tendo como referência essa situação hipotética, assinale a opção correta com base no entendimento do STJ.
a) O rastreador é um bem acessório e deve acompanhar o veículo, bem principal, independentemente de previsão contratual nesse sentido.
b) Por ser o rastreador considerado pertença, não se presume a sua inclusão na negociação do veículo.
c) Por ser o rastreador considerado um bem naturalmente divisível, não se presume a sua inclusão na negociação do veículo.
d) O rastreador constitui parte integrante do veículo e deve acompanhá-lo na negociação da venda.
e) O rastreador é considerado uma benfeitoria necessária e, por essa razão, presume-se a sua inclusão na negociação do veículo.
Comentários
A alternativa correta é a letra B.
A solução do questionamento apresentado exige uma análise conjunta dos arts. 93 e 94 do Código Civil e do REsp n. 1.667.227/RS.
Depreende-se da análise do REsp n. 1.667.227/RS que a Terceira Turma do STJ determinou a restituição, para o devedor fiduciário, de equipamento de monitoração que havia sido acoplado a caminhão apreendido por falta de pagamento do contrato de financiamento. Segundo o colegiado, o equipamento é considerado uma pertença e, portanto, pode ser retirado do caminhão sem causar prejuízos ao bem.
De acordo com o voto do ministro relator Marco Aurélio Bellizze, o equipamento de rastreamento, nesse caso, deve ser qualificado como pertença, por ser um bem autonomamente considerado, que não compõe o principal, “apenas acrescendo-o, com a específica finalidade de lhe servir, aformosear ou conferir maior ou melhor uso”, de acordo com o Código Civil.
Nesse sentido, segue trecho da ementa do REsp n. 1.667.227/RS: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE CAMINHÃO, DADO EM GARANTIA FIDUCIÁRIA EM CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. PROCEDÊNCIA, DECORRENTE DO INADIMPLEMENTO. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DO EQUIPAMENTO DE MONITORAMENTO ACOPLADO AO CAMINHÃO. PERTENÇA. RESTITUIÇÃO AO DEVEDOR FIDUCIÁRIO. NECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Ainda que se aplique aos bens acessórios a máxima de direito, segundo a qual “o acessório segue o principal”, o Código Civil conferiu tratamento distinto e específico às pertenças, as quais, embora tidas como bens acessórios, pois, destinadas, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de um bem principal, sem dele fazer parte integrante, não seguem a sorte deste, salvo se houver expressa manifestação de vontade nesse sentido, se a lei assim dispuser ou se, a partir das circunstâncias do caso, tal solução for a indicada. 2. O equipamento de monitoramento acoplado ao caminhão consubstancia uma pertença, a qual atende, de modo duradouro, à finalidade econômico-social do referido veículo, destinando-se a promover a sua localização e, assim, reduzir os riscos de perecimento produzidos por eventuais furtos e roubos, a que, comumente, estão sujeitos os veículos utilizados para o transporte de mercadorias, caso dos autos. Trata-se, indiscutivelmente, de “coisa ajudante” que atende ao uso do bem principal. Enquanto concebido como pertença, a destinação fática do equipamento de monitoramento em servir o caminhão não lhe suprime a individualidade e autonomia # o que permite, facilmente, a sua retirada #, tampouco exaure os direitos sobre ela incidentes, como o direito de propriedade, outros direitos reais ou o de posse. 2.1 O inadimplemento do contrato de empréstimo para aquisição de caminhão dado em garantia, a despeito de importar na consolidação da propriedade do mencionado veículo nas mãos do credor fiduciante, não conduz ao perdimento da pertença em favor deste. O equipamento de monitoramento, independentemente do destino do caminhão, permanece com a propriedade de seu titular, o devedor fiduciário, ou em sua posse, a depender do título que ostente, salvo se houver expressa manifestação de vontade nesse sentido, se a lei assim dispuser ou se, a partir das circunstâncias do caso, tal solução for a indicada, exceções de que, no caso dos autos, não se cogita. 2.3 O contrato de financiamento de veículo, garantido por alienação fiduciária, ao descrever o veículo, objeto da avença, não faz nenhuma referência à existência do aludido equipamento e, por consectário, não poderia tecer consideração alguma quanto ao seu destino. Por sua vez, o auto de busca e apreensão, ao descrever o veículo, aponta a existência do equipamento de monitoramento, o que, considerada a circunstância anterior, é suficiente para se chegar a compreensão de que foi o devedor fiduciário o responsável por sua colocação no caminhão por ele financiado. 3. Recurso especial provido. (REsp n. 1.667.227/RS, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 26/6/2018, DJe de 29/6/2018.)
Além disso, ao tratar especificamente das pertenças, o Código Civil dispõe que: Art. 93. São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro. Art. 94. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso.
Após a introdução do tema, passamos à análise das alternativas.
A alternativa A está incorreta, pois o equipamento de rastreamento, no caso hipotético, deve ser qualificado como pertença, de modo que não está abrangido nos negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal, nos termos dos arts. 93 e 94 do Código Civil.
A alternativa B está correta, pois o equipamento de rastreamento, nesse caso, deve ser qualificado como pertença, por consistir em um bem autonomamente considerado, que não compõe o principal, apenas acrescendo-o, com a específica finalidade de conferir maior ou melhor uso. Além disso, de acordo com o art. 94 do Código Civil: “Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso”.
A alternativa C está incorreta, pois a ausência da presunção acerca da inclusão do rastreador na compra e venda do veículo decorre da qualificação do rastreador como pertença. Além da incidência do art. 94 do Código Civil: “Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso”.
A alternativa D está incorreta, pois o equipamento de rastreamento, no caso hipotético, deve ser qualificado como pertença, de modo que não está abrangido nos negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal. Sobre o tema, cumpre destacar que a legislação civil cuida das pertenças, das partes integrantes e dos bens acessórios com autonomia, especificando regras próprias a partir de sua destinação. Consoante Marcelo Junqueira Calixto: “Temos então que o Código determina a ocorrência de três situações jurídicas, uma para as partes integrantes, outra para as pertenças e outra para os bens acessórios. As primeiras (partes integrantes) estão irremediavelmente ligadas ao bem, não sendo objeto de relações jurídicas próprias, salvo a exceção do art. 95. As segundas (pertenças) podem ser destacadas do bem principal, podendo, portanto, ser objeto de relações jurídicas próprias, sendo que, como regra, não seguem a sorte do bem principal. Os bens acessórios, entendidos como aqueles que não se enquadram no conceito de partes integrantes nem no de pertença (exemplo é o fruto percebido e não empregado na destinação econômica do principal), podem ser objeto de negócios jurídicos autônomos, mas, como regra, seguem a sorte do bem principal. Isto é decorrência do citado princípio da gravitação jurídica que, embora não esteja mais expresso, decorre do sistema mantido pelo novo Código”.
A alternativa E está incorreta, pois o equipamento de rastreamento, no caso hipotético, deve ser qualificado como pertença, de modo que não está abrangido nos negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal.
QUESTÃO 25. João propôs ação declaratória de inexigibilidade de débito, já prescrito, contra Beta Recuperação de Créditos Ltda., sob a alegação de que a dívida existente com a requerida fora adimplida por meio de cessão de crédito, não tendo havido, contudo, anuência da sua parte, o que ensejaria a invalidade do ato de cessão. Argumentou também que, mesmo prescrito, o débito continuava sendo cobrado extrajudicialmente pela requerida, mediante mensagens enviadas.
Considerando a situação hipotética apresentada, o disposto no Código Civil e o entendimento jurisprudencial do STJ, assinale a opção correta.
a) A perda da pretensão de exigir o cumprimento da prestação por Beta Recuperação de Créditos Ltda. implica a impossibilidade de o débito ser exigido tanto judicialmente quanto extrajudicialmente.
b) A prescrição torna a pretensão inexigível judicialmente, no entanto permanece a possibilidade de cobrança extrajudicial do débito.
c) Em decorrência da prescrição, houve a perda do direito de Beta Recuperação de Créditos Ltda.
d) Para que a cessão de créditos seja válida, é indispensável a anuência de João.
e) É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de crédito se esta não for celebrada mediante instrumento público, sendo vedada a transmissão do crédito via instrumento particular.
Comentários
A alternativa correta é a letra A.
A solução do caso hipotético apresentado exige a análise do REsp 2.088.100, cuja ementa segue transcrita: “DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO PRESCRITO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO. INSTITUTO DE DIREITO MATERIAL. DEFINIÇÃO. PLANO DA EFICÁCIA. PRINCÍPIO DA INDIFERENÇA DAS VIAS. PRESCRIÇÃO QUE NÃO ATINGE O DIREITO SUBJETIVO. COBRANÇA EXTRAJUDICIAL DE DÍVIDA PRESCRITA. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO ESTADUAL. 1. Ação de conhecimento, por meio da qual se pretende o reconhecimento da prescrição, bem como a declaração judicial de inexigibilidade do débito, ajuizada em 4/8/2021, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 26/9/2022 e concluso ao gabinete em 3/8/2023. 2. O propósito recursal consiste em decidir se o reconhecimento da prescrição impede a cobrança extrajudicial do débito. 3. Inovando em relação à ordem jurídica anterior, o art. 189 do Código Civil de 2002 estabelece, expressamente, que o alvo da prescrição é a pretensão, instituto de direito material, compreendido como o poder de exigir um comportamento positivo ou negativo da outra parte da relação jurídica. 4. A pretensão não se confunde com o direito subjetivo, categoria estática, que ganha contornos de dinamicidade com o surgimento da pretensão. Como consequência, é possível a existência de direito subjetivo sem pretensão ou com pretensão paralisada. 5. A pretensão se submete ao princípio da indiferença das vias, podendo ser exercida tanto judicial, quanto extrajudicialmente. Ao cobrar extrajudicialmente o devedor, o credor está, efetivamente, exercendo sua pretensão, ainda que fora do processo. 6. Se a pretensão é o poder de exigir o cumprimento da prestação, uma vez paralisada em razão da prescrição, não será mais possível exigir o referido comportamento do devedor, ou seja, não será mais possível cobrar a dívida. Logo, o reconhecimento da prescrição da pretensão impede tanto a cobrança judicial quanto a cobrança extrajudicial do débito. 7. Hipótese em que as instâncias ordinárias consignaram ser incontroversa a prescrição da pretensão do credor, devendo-se concluir pela impossibilidade de cobrança do débito, judicial ou extrajudicialmente, impondo-se a manutenção do acórdão recorrido. 8. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp n. 2.088.100/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17/10/2023, DJe de 23/10/2023.)
Passando à análise das alternativas.
A alternativa A está correta, pois, de acordo com o entendimento do STJ no REsp 2.088.100, “o reconhecimento da prescrição da pretensão impede tanto a cobrança judicial quanto a cobrança extrajudicial do débito”.
A alternativa B está incorreta, pois a prescrição torna a pretensão inexigível judicialmente, bem como impede a cobrança extrajudicial do débito, conforme o entendimento do STJ no REsp 2.088.100.
A alternativa C está incorreta, para o STJ “a pretensão não se confunde com o direito subjetivo, categoria estática, que ganha contornos de dinamicidade com o surgimento da pretensão. Como consequência, é possível a existência de direito subjetivo sem pretensão ou com pretensão paralisada” (REsp 2.088.100).
A alternativa D está incorreta, pois a legislação civil não exige o consentimento expresso do devedor (João) para a cessão de crédito. Nos termos do art. 290 do Código Civil: “A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita”.
A alternativa E está incorreta. Inicialmente cumpre destacar que apenas a 2ª parte da alternativa está incorreta, uma vez que é possível a transmissão do crédito via instrumento particular. De acordo com o art. 288 do Código Civil: “É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1º do art. 654”. Nesse sentido, dispõe o § 1º do art. 654 do Código Civil que: “O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos”.
QUESTÃO 26. ABC Alimentação S.A., por intermédio de seus sócios acionistas e diretores, realizou, por instrumento público, contrato preliminar de compra e venda com a empresa Fomento Mercantil Ltda. Entre as cláusulas do referido instrumento, havia a previsão de que a compradora – ABC Alimentação S.A. – assumiria todo o passivo tributário e trabalhista da empresa Fomento Mercantil Ltda. Posteriormente, ao celebrar o contrato definitivo, por instrumento particular, e com a anuência dos contratantes, a referida cláusula foi alterada em sentido diametralmente oposto, passando a prever expressamente que os débitos tributários e trabalhistas seriam de responsabilidade do alienante.
Em relação à situação hipotética apresentada, julgue os itens a seguir, com base nas disposições do Código Civil e no entendimento jurisprudencial do STJ.
I. Concluído o contrato preliminar, qualquer contratante pode exigir o cumprimento do contrato definitivo, ainda que haja previsão de cláusula de arrependimento no referido contrato.
II. Deve prevalecer, no caso, o contrato preliminar, e qualquer contratante pode exigir o cumprimento da obrigação nos moldes do que fora inicialmente pactuado.
III. A liberdade contratual pode desconstituir obrigações anteriormente assumidas, devendo prevalecer aquilo que foi convencionado no contrato definitivo.
Assinale a opção correta.
a) Nenhum item está certo.
b) Apenas o item II está certo.
c) Apenas o item III está certo.
d) Apenas os itens I e II estão certos.
e) Apenas os itens I e III estão certos.
Comentários
A alternativa correta é a letra C.
O item I está incorreto, nos termos do art. 463 do Código Civil: “Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive”.
O item II está incorreto, pois, no caso hipotético narrado, em razão da alteração da cláusula em sentido diametralmente oposto, não se pode exigir o cumprimento da obrigação nos moldes do que fora inicialmente pactuado. De acordo com o entendimento do STJ no REsp n. 2.054.411/DF, “impossível, dessa forma, conferir maior eficácia jurídica ao contrato preliminar que ao definitivo, sobretudo quando as partes, nessa nova avença, pactuaram obrigações diametralmente opostas e desautorizam, expressamente, os termos da proposta original.”
O item III está correto, de acordo com o entendimento do STJ no REsp n. 2.054.411/DF: “DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO CELEBRADO COM DISPOSIÇÃO CONTRÁRIA AO QUE ESTIPULADO EM AJUSTE PRÉVIO. AUTONOMIA DA VONTADE DAS PARTES. DERROGAÇÃO/REVOGAÇÃO DO ACORDO ANTERIOR. 1. O contrato preliminar confere, em benefício de qualquer das partes, a prerrogativa de exigir da outra a celebração do negócio definitivo com observância do que inicialmente pactuado. 2. Nada obsta, porém, que, na oportunidade da celebração do contrato definitivo, as partes estabeleçam, de comum acordo, deveres e obrigações diversos e até mesmo contrários àqueles previstos no pacto inicial. 3. A liberdade contratual confere aos negociantes amplos poderes para revogar, modificar ou substituir ajustes anteriores. Não importa se esses ajustes foram incorporados em contrato preliminar ou definitivo, a autonomia da vontade da partes pode, em qualquer caso, desconstituir obrigações anteriormente assumidas. 4. Impossível, dessa forma, conferir maior eficácia jurídica ao contrato preliminar que ao definitivo, sobretudo quando as partes, nessa nova avença, pactuaram obrigações diametralmente opostas e desautorizam, expressamente, os termos da proposta original. 5. Recurso especial não provido.” (REsp n. 2.054.411/DF, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 3/10/2023, DJe de 6/10/2023.)
Portanto, a alternativa C está correta, pois apenas o item III está certo.
QUESTÃO 27. Raimundo, residente e domiciliado em Caicó/RN, realizou contrato de compra e venda de um boi, no qual se comprometia a pagar a Baltazar, residente e domiciliado em Pau dos Ferros/RN, o valor de R$ 2.000,00, em vinte e quatro parcelas mensais. Inicialmente, foi acordado entre as partes que o pagamento seria efetuado no domicílio do devedor, ou seja, Caicó/RN. Contudo, Raimundo, que constantemente viajava a Pau dos Ferros/RN, passou a efetuar o pagamento no domicílio do credor. Após o pagamento da vigésima parcela, Raimundo decidiu voltar a pagar o valor em Caicó/RN, o que não foi aceito por Baltazar.
Acerca da situação hipotética apresentada, assinale a opção correta com base no Código Civil e no entendimento doutrinário sobre o tema
a) Raimundo está correto, pois o recebimento do pagamento em local diverso do acordado configura aceitação tácita da mudança do local do pagamento, aplicando-se ao credor o instituto conhecido como dever de mitigar o próprio prejuízo.
b) Raimundo está correto, em razão da aplicação do princípio da obrigatoriedade dos contratos.
c) Em relação ao lugar do pagamento, a obrigação de Raimundo é classificada como portável.
d) Baltazar está correto, em razão do instituto da supressio.
e) Na hipótese de Baltazar ser sujeito vulnerável nessa relação jurídica, ele possuiria o direito de escolher o lugar do pagamento.
Comentários
A alternativa correta é a letra D.
A alternativa A está incorreta. Inicialmente cumpre destacar que a 1ª parte da alternativa está certa, na medida em que, de fato, Raimundo está correto, pois o recebimento do pagamento em local diverso do acordado configura aceitação tácita da mudança do local do pagamento. Porém, a 2ª parte da alternativa está incorreta, pois a situação hipotética trata do instituto da “supressio”. Aduz Cristiano Chaves que: “O Código Civil, embora não expressamente, admite um típico exemplo de supressio no art. 330, ao tratar do pagamento, reiteradamente, realizado em local diverso daquele fixado no contrato”. Dispõe o art. 330 do Código Civil que: “O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato”.
A alternativa B está incorreta, pois Raimundo está certo, em razão da aplicação do instituto da “supressio”, nos termos do art. 330 do Código Civil: “O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato”.
A alternativa C está incorreta. Em relação ao lugar do pagamento, a obrigação de Raimundo é classificada como quesível, pois, de acordo com o enunciado, inicialmente foi acordado entre as partes que o pagamento seria efetuado no domicílio do devedor. Dispõe o art. 327 do Código Civil que: “Art. 327. Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias”. Para Cristiano Chaves: “Neste caso, temos a chamada ‘dívida quesível’ – quérable em francês –, ou dívida de ‘ir buscar’, cabendo ao credor procurar o devedor para obter o adimplemento”. Por outro lado, ainda conforme o autor: “convencionado que o pagamento será realizado no domicílio do credor, a dívida será portável – portable em francês. Vigorando o princípio da liberdade de eleição (art. 78 do CC), fixa-se domicílio contratual através da autonomia privada dos contratantes”.
A alternativa D está correta. A “supressio” ocorre “quando o titular de um direito deixa de exercê-lo, durante certo lapso de tempo, criando para a outra parte uma confiança razoável de que aquele direito não seria mais exercido”, consoante as palavras de Marcelo Dickstein. Nesse contexto, o art. 330 do Código Civil dispõe que: “O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato”. Nesse sentido, aduz Cristiano Chaves que: “O Código Civil, embora não expressamente, admite um típico exemplo de supressio no art. 330, ao tratar do pagamento, reiteradamente, realizado em local diverso daquele fixado no contrato”. Por todo o exposto, conclui-se que Baltazar está correto, em razão do instituto da supressio.
A alternativa E está incorreta, pois o domicílio contratual é fixado mediante a autonomia privada dos contratantes, de acordo com o princípio da liberdade de eleição previsto no art. 78 do CC: “Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes”.
QUESTÃO 28. José, proprietário de uma vaca, vendeu-a a Joaquim. O contrato de compra e venda foi celebrado em 2023 e José deveria receber de Joaquim a quantia de R$ 3.000,00 no momento da entrega do semovente, convencionada para dois meses após a celebração do contrato. No intervalo de tempo entre a celebração do contrato e a entrega do semovente, para surpresa de Joaquim, a vaca pariu dois bezerros.
Nessa situação hipotética, de acordo com o Código Civil,
a) deverá ser feito um sorteio para definir quem ficará com bezerros.
b) um bezerro pertence a José e o outro, a Joaquim.
c) o contrato será considerado nulo.
d) os bezerros pertencem a José.
e) os bezerros pertencem a Joaquim.
Comentários
A alternativa correta é a letra D.
A alternativa D está correta, nos termos do art. 237 do Código Civil: “Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação”.
De acordo com Cristiano Chaves: “Se o devedor sofre o ônus, deve também ser agraciado com o bônus. Qualquer melhoramento que vier a ocorrer em relação à coisa deverá ser computado no pagamento, podendo o devedor exigir o incremento correspondente no preço. Mas não se pode aceitar que a obrigação fuja aos limites mínimos de vinculação, podendo o credor entender que não terá como arcar com o aumento de valor, dando-se a relação por encerrada e devolvendo-se as partes ao estado anterior”.
Portanto, os bezerros nascidos no intervalo de tempo entre a celebração do contrato e a entrega do semovente, pertencem a José (devedor).
As alternativas A, B, C, e E estão incorretas, pelo fundamento exposto na alternativa D.
QUESTÃO 29. Ana conduzia seu veículo em uma via de mão dupla quando foi surpreendida por um outro carro, que trafegava, em alta velocidade, na contramão da direção da via. Pela necessidade das circunstâncias e por não haver meio de evitar colisão frontal, Ana realizou uma manobra em decorrência da qual o veículo veio a atingir Pedro, que estava na calçada. Pedro sofreu lesões corporais de natureza leve.
Nessa situação hipotética, de acordo com as disposições do Código Civil, Ana
a) praticou o ato no exercício regular de um direito.
b) praticou ato ilícito e deverá indenizar Pedro.
c) agiu em estado de necessidade e não deverá indenizar Pedro, pois o ato praticado é lícito.
d) agiu em legítima defesa e não deverá indenizar Pedro.
e) agiu em estado de necessidade e praticou ato lícito, porém deverá indenizar Pedro.
Comentários
A alternativa correta é a letra E.
A solução do questionamento apresentado exige uma análise conjunta dos arts. 188, II, e 929, ambos do Código Civil.
O estado de necessidade está previsto no art. 188, II, do diploma civilista: “Art. 188. Não constituem atos ilícitos: II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo”.
Depreende-se da análise do enunciado que Ana realizou a manobra em estado de necessidade, de acordo com as circunstâncias do caso e por não existir outro meio de evitar colisão frontal. Assim, praticou ato lícito, conforme o dispositivo acima mencionado.
Ademais, no caso hipotético, subsiste o dever de Ana indenizar Pedro, tendo em vista Pedro, que estava na calçada e sofreu lesões corporais de natureza leve, não foi culpado do perigo. No caso hipotético, o perigo de colisão frontal foi causado por outro carro que trafegava, em alta velocidade, na contramão da direção da via. Dispõe o art. 929 do Código Civil: “Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram”.
Sobre o tema, afirma Cristiano Chaves que: “No estado de necessidade, quem age sob o manto de tal excludente, embora pratique um ato lícito, deverá reparar os danos causados se a pessoa lesada ou o dono da coisa não forem culpados do perigo. Portanto, a absolvição, no juízo criminal, fundada em estado de necessidade, não significa, no âmbito cível, a ausência do dever de reparar (digamos que alguém, de forma absurda, deixa seu carro parado no meio da estrada, depois de uma curva e com isso obriga o motorista prudente, que vem em sentido contrário, a avançar para a contramão, causando mortes. Nessa hipótese, a absolvição criminal do motorista que avançou para a contramão não significa que ele não deva reparar os danos) […] Em todos os casos citados há, no entanto, direito de regresso. Quem, agindo em estado de necessidade, causa danos a outrem, poderá, depois de ressarci-los, voltar-se contra quem causou o perigo (o motorista que, desviando de carro na contramão, atinge um carro estacionado deverá reparar esse dano, mas poderá, em regresso, cobrar do condutor do veículo na contramão, causador do perigo)”.
A alternativa A está incorreta, pois Ana praticou o ato em estado de necessidade.
A alternativa B está incorreta, pois Ana praticou ato lícito, nos termos do art. 188, II, do Código Civil: “Art. 188. Não constituem atos ilícitos: II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo”.
A alternativa C está incorreta, pois o ato praticado em estado de necessidade, embora lícito, obriga a indenizar, nos termos do art. 929 do Código Civil: “Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram”.
A alternativa D está incorreta, pois Ana praticou o ato em estado de necessidade.
A alternativa E está correta, nos termos dos arts. 188, II, e 929, ambos do Código Civil: “Art. 188. Não constituem atos ilícitos: II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo. Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.”
Além disso, de acordo com Cristiano Chaves: “O legislador optou por proteger a vítima, considerando que pelo princípio da reparação integral sejam os danos patrimoniais ou extrapatrimoniais – é inarredável o direito da vítima à reparação, mesmo que amparado o agente pela excludente da ilicitude. Assim, se alguém, agindo em estado de necessidade, causar danos à pessoa ou à coisa, deve repará-los (art. 929). Se o motorista, dirigindo com prudência, vê, após uma curva, um veículo ultrapassando na contramão, e instintivamente gira a direção para a esquerda, subindo na calçada e atropelando alguém, estará obrigado a reparar os danos que a pessoa atropelada sofreu. A vítima, assim, será indenizada, ainda que lícito o comportamento daquele que a atropelou. Pode, porém, o motorista do veículo, após indenizar a vítima (atropelado), intentar ação de regresso contra o condutor do veículo na contramão (causador do perigo), de acordo com a previsão do art. 930 do Código Civil e respaldo na jurisprudência”.
QUESTÃO 30. André está sendo acusado, no juízo criminal, de conduzir veículo sob o efeito de bebida alcoólica e, em razão disso, ter causado lesões corporais em Maria. A respeito da obrigação de André de indenizar Maria na esfera cível, de acordo com as disposições do Código Civil, assinale a opção correta.
a) Eventual absolvição de André no juízo criminal constituirá óbice a sua condenação no juízo cível se a sentença for fundada na inexistência do fato ou na negativa de sua autoria.
b) Caso André seja condenado na esfera criminal e a respectiva sentença seja fundada em excludente de ilicitude, tal sentença criminal vinculará o juízo cível, inviabilizando-se qualquer pretensão indenizatória de Maria no âmbito cível.
c) Eventual condenação de André no juízo criminal prescindirá da necessidade de quantificação do dano no procedimento cível, em razão do efeito automático da sentença criminal no juízo cível.
d) Vigora no ordenamento jurídico a regra de dependência entre as instâncias cível e criminal.
e) Caso André seja absolvido por insuficiência de provas no juízo criminal, ele ficará isento de qualquer responsabilidade civil.
Comentários
A alternativa correta é a letra A.
A alternativa A está correta, nos termos do art. 935 do Código Civil: “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”.
A alternativa B está incorreta, pois a sentença criminal fundada em excludente de ilicitude não inviabiliza qualquer pretensão indenizatória de Maria no âmbito cível. Dispõe o art. 67 do Código de Processo Penal que: “Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil: I – o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação; II – a decisão que julgar extinta a punibilidade; III – a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime”.
Além disso, de acordo com Cristiano Chaves: “Diferentemente do inexorável efeito preclusivo da decisão condenatória transitada em julgado, os efeitos da sentença penal absolutória oscilarão no juízo cível. Confirmando a relativa autonomia entre as jurisdições, será a absolvição veemente no juízo cível se reconhecer, de modo categórico, que o fato não aconteceu, ou que, embora tenha acontecido, o réu não foi o seu autor (art. 935, CC e art. 66, CPP). Todavia, as demais hipóteses de absolvição, quaisquer que sejam, não vinculam o juízo cível, facultando-se à vítima o acesso a ação civil ex delicto.”
A alternativa C está incorreta, pois será necessária a quantificação do dano no procedimento cível. Conforme Cristiano Chaves: “Saliente-se a indispensabilidade da prévia liquidação para que se possa fazer valer a condenação embutida na sentença penal. Aduz o parágrafo único do artigo 63 do Código de Processo Penal que, transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do artigo 387, sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido. Em verdade, trata-se de ação de liquidação (pedido deduzido diante de uma autoridade judiciária civil em face do responsável, com vista à definição do valor devido)”.
A alternativa D está incorreta, pois no ordenamento jurídico vigora a regra da relativa independência entre as instâncias cível e criminal. Segundo Cristiano Chaves, o art. 935 do Código Civil consiste em “importante dispositivo verbera uma relativa independência entre os dois sistemas de responsabilidade, nos casos em que se apresenta um fato penalmente típico, com eficácia indenizatória. Com efeito, uma das possíveis eficácias de uma condenação criminal (seja a pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou de multa) será a obrigação de indenizar”.
A alternativa E está incorreta, nos termos do art. 935 do Código Civil: “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”. Afirma Cristiano Chaves que: “A absolvição criminal, como visto, poderá vincular a decisão civil, se reconhecer que o fato inexistiu ou que o réu é inocente. Fora essas duas hipóteses, mencionadas pelo art. 935 do Código Civil – e reafirmadas pelo Código de Processo Penal –, não há projeção, na esfera civil, das decisões absolutórias penais”.
Saiba mais: PGE RN Procurador
Quer saber tudo sobre concursos previstos?
Confira nossos artigos!
Cursos para o concurso PGE RN Procurador
Prepare-se com o melhor material e com quem mais aprova em Concursos Pú