O “brigadeirão” envenenado
O “brigadeirão” envenenado

O “brigadeirão” envenenado

No presente artigo iremos avaliar a situação do empresário que foi encontrado morto em seu apartamento, no RJ. A perícia apontou que foi encontrada uma substância achocolatada em seu aparelho digestivo (“brigadeirão” envenenado). Suspeita-se da namorada, que foi vista com ele, e, em seguida, subtraiu o seu veículo.

Qual o enquadramento típico e a competência para julgamento do crime?

*Artigo por Guilherme Carneiro de Rezende, Promotor de Justiça, Doutorando em direito e professor de Processo Penal.

O “brigadeirão” envenenado
O “brigadeirão” envenenado

Diz a reportagem jornalística que a polícia teria encontrado um empresário morto em seu apartamento, com suspeita de ter sido assassinado por sua namorada.

O corpo teria sido encontrado em avançado estado de decomposição, após a reclamação de vizinhos, que se queixavam do forte cheiro exalado. O laudo necroscópico indicou que a morte teria ocorrido entre 3 e 6 dias antes do corpo ser achado, afirmando que a causa da morte foi inconclusiva, mas apontou que foi encontrado líquido achocolatado no sistema digestivo da vítima. A polícia solicitou laudos complementares.

As informações dão conta de que a namorada deixou o prédio com o veículo do ofendido e o entregou a um casal de amigos.

Ademais, segundo consta, a autora do crime devia dinheiro a terceiro e já teria se mancomunado com uma mulher, referida na reportagem como cigana, para dar medicamento à vítima.

O caso, pela frieza, chama a atenção, despertando alguns debates jurídicos bem interessantes, principalmente no que diz respeito à capitulação do(s) crime(s), em tese praticado(s).

Vamos pensar inicialmente que a namorada tenha matado a vítima, e, aproveitando-se da sua morte, tenha lhe subtraído o veículo, com desígnios autônomos.

Percebam que nessa hipótese, há o dolo de matar, seguido do dolo de subtrair, que surgem em contextos autônomos. Teríamos, assim, o crime de homicídio (artigo 121, do CP), em concurso material com o crime de furto (artigo 155, do CP).

A depender do resultado da perícia complementar, haverá a incidência da qualificadora do emprego de veneno. A reportagem diz que foi encontrado líquido achocolatado no sistema digestivo da vítima, mas esclarece que a causa da morte foi inconclusiva. Por essa razão, a perícia é imprescindível para a tipificação legal.

Não se descarta que tenha ocorrido uma concausa (além do veneno) superveniente, relativa ou absolutamente independente, que seja responsável pelo evento morte, caso em que teríamos um cenário bastante diferente.

De todo modo, teríamos ainda a incidência da qualificadora da dissimulação, pois não se quer crer que a ingestão do veneno contido no brigadeiro (se é que tinha) tenha ocorrido de modo voluntário pelo ofendido.

Provável que tenha ocorrido uma manobra da agente para ludibriar a vítima, fazendo com que ela consumisse o brigadeiro. Aliás, a câmera de segurança do elevador aponta que ela fornece o alimento ao ofendido.

Ademais, o fato de a namorada ter se apropriado do veículo da vítima, caracteriza o crime de furto, previsto no artigo 155, do CP.

Não nos parece que tenha ocorrido a ocultação de cadáver, haja vista que o corpo foi encontrado na sala do apartamento, posicionado abaixo do ventilador, provavelmente com o objetivo de evitar que o cheiro chamasse a atenção de vizinhos. Mas os dados apresentados não revelam eventual intenção de ocultar o cadáver.

Atenção: aqui é preciso averiguar qual tipo de auxílio foi prestado pelo casal que ficou com o veículo.

Se eles aderiram à conduta da namorada desde o princípio e contribuíram para o sucesso da empreitada delitiva (morte e subtração), devem responder por ambos os crimes, em concurso de agentes (nos termos do artigo 29, do CP, quem, de qualquer forma concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas, na medida de sua culpabilidade).

Mas, se a sua adesão for posterior e tiver surgido apenas no momento da subtração do veículo, responderão apenas pelo furto.

A competência, no caso, seria do tribunal do júri, inclusive em relação ao furto, por conta da conexão, nos termos do artigo 78, I, do CPP.

Lado outro, se a morte tiver ocorrido no contexto da subtração (para a subtração), poderíamos pensar na ocorrência de latrocínio, mas nesse caso é bom lembrar que o §3º, do artigo 157, do CPP, menciona textualmente que a pena é aumentada se da “violência” resulta morte.

No caso do emprego de veneno (caso comprovado o argumento do “brigadeirão” envenenado, não parece ter havido a violência própria (vis corporal), mas a violência chamada imprópria (depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência), que só tem previsão no caso do caput, do artigo 157.

Desta forma, voltaríamos à mesma solução dada no início do artigo: a namorada, com animus furandi, buscando reduzir a vigilância da vítima (violência imprópria), ministra o veneno, mas “erra a mão”, assumindo o risco de produzir o resultado morte (dolo eventual). Depois, subtrai o veículo, cometendo o crime de furto.

Em interessante precedente, de caso acontecido no interior de São Paulo, o STJ entendeu pela possibilidade de reclassificação da conduta do latrocínio tentado para o crime de homicídio tentado, juntamente com o crime de furto (HC 176.494/SP).

Invariavelmente teríamos o concurso de infrações, resultando na competência do tribunal do júri.

Apenas se houver tipificação como latrocínio é que a competência será do juiz singular, por força da súmula 603, do STF.

Por fim, após a leitura deste nosso artigo analisando o caso do “brigadeirão” envenenado, confira abaixo as oportunidades para Concursos Jurídicos em 2024.

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