Justiça condena petroquímica a indenizar os danos pela maior tragédia urbana do planeta (afundamento de Maceió)

Justiça condena petroquímica a indenizar os danos pela maior tragédia urbana do planeta (afundamento de Maceió)

Uma notícia chocou o Brasil nos últimos dias: parte de Maceió/AL está afundando de forma acelerada em decorrência do iminente colapso de minas de sal-gema exploradas pela petroquímica Braskem. Por isso a justiça condenou a petroquímica Braskem a indenizar os danos pela maior tragédia urbana do planeta (afundamento de Maceió).

Vamos entender o caso:

Ainda na década de 70 a Braskem começou a explorar minas de sal-gema próximo à região da Lagoa do Mundaú, em Maceió. A sal-gema é uma importante matéria-prima para a indústria química, sendo utilizada na produção do cloro, soda cáustica, na produção de plásticos, produtos de limpeza, papel, tecidos. Ao todo, há em torno de 35 minas que foram exploradas durante décadas, e hoje todas estão desativadas. Essas minas chegam a uma profundidade de 1.200 metros, equivalente a um prédio de 400 andares. 

O causador desse afundamento, de acordo com autoridades, foi a exploração inadequada das minas. Cada caverna é criada após a penetração de fortes injeções de água no solo e o retorno à superfície trazendo a salmoura. O material retirado é processado industrialmente para a obtenção de cloreto de sódio: o sódio para a soda cáustica, e o cloro para a fabricação de PVC, por exemplo.

Ao final do procedimento o terreno tornou-se altamente instável, com risco de colapso em cadeia das cavernas formadas por essa exploração.

Em 2018 começou a se identificar pequenos abalos no solo, ocasionando rachaduras em casas, lojas, equipamentos públicos. Em 2019 esses danos se intensificaram, a ponto de ser assinado o primeiro termo de cooperação técnica entre a petroquímica e o poder público. 

Em novembro de 2019 há a paralisação total da extração de sal-gema nas minas e é criada uma área de resguardo e o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF) para apoiar as famílias afetadas.

Em julho de 2023 a prefeitura da cidade fechou um acordo com a empresa assegurando ao município uma indenização de R$ 1,7 bilhão em razão do afundamento dos bairros, que teve início em 2018. 

Agora a região está entrando em colapso, com risco quase inevitável de afundamento brusco das minas, que podem ser engolidas pela Lagoa do Mundaú.

Agora que entendemos o caso vamos à sua repercussão jurídico-ambiental.

O meio ambiente deve ser analisado de forma mais abrangente, de modo a agasalhar não só o meio ambiente natural (formado apenas pelos elementos naturais, tais como ar, água, solo, fauna etc.), como também o meio ambiente artificial (urbano), o meio ambiente cultural, o meio ambiente do trabalho.

Olha só como o STF trata o assunto:

“A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. – A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral…” (STF, ADI 3540)

Os danos ocasionados pela exploração da sal-gema pela Braskem abarcaram as diversas espécies de meio ambiente, senão vejamos:

Meio ambiente natural 🡪 A invasão da lagoa sobre a área de minas vai afetar a fauna e a flora lacustre. O solo e o subsolo já foram totalmente comprometidos. 

Meio ambiente artificial 🡪 Milhares de imóveis já foram desocupados ou demolidos (formação de bairros fantasmas).

Meio ambiente cultural 🡪 Bens de valor cultural da região foram comprometidos, o conjunto arquitetônico local desfigurado.

Meio ambiente laboral 🡪 A tragédia afetou as relações de trabalho da região, haja vista que centenas de lojas foram desativadas ou realocadas.

Em decorrência dos evidentes a abrangentes danos ambientais causados pela atividade de mineração entra em cena a responsabilização dos responsáveis, em especial da causadora direta do dano, a petroquímica Braskem.

A Constituição Federal trata da responsabilidade ambiental no artigo 225, §2º e §3º, in verbis:

CF/88

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Como visto acima, o artigo 225, §3º da Constituição Federal impõe aos infratores três espécies distintas de responsabilidades pelo dano ambiental, quais sejam:

É possível que um mesmo ato possa gerar os três tipos de responsabilidades (civil, administrativa e penal), pois os tipos de normas infringidas são diferentes, não havendo que se falar em bis in idem. Ou seja, os valores protegidos por cada tipo de norma violada são distintos, apesar de convergirem para a mesma finalidade: tutela do meio ambiente.

A responsabilidade civil ambiental, ou seja, de reparar os danos causados ao meio ambiente, é objetiva (independe de culpa ou dolo), solidária e fundamentada na teoria do risco integral, que é uma teoria extremada do risco, onde o nexo de causalidade é fortalecido (ver informativo STJ nº 545). Mesmo atos lícitos podem ensejar a responsabilização. Além do mais, a pretensão de reparação do dano ambiental é imprescritível, conforme jurisprudência pacificada dos tribunais superiores. 

No caso da Braskem mesmo a petroquímica tendo as devidas licenças ambientais ainda assim haverá o dever de recuperar os danos causados, pois não há necessidade de comprovação da culpa ou dolo, aliado a teoria do risco integral. 

Nesse sentido a justiça estadual de alagoas condenou a Braskem a indenizar o Estado de Alagoas pelos danos causados, em valor a ser apurado após uma perícia que deve ser paga pela mineradora, apontada pelo Serviço Geológico do Brasil como a responsável pelos problemas de rachaduras. 

Essa condenação não exclui outras indenizações em face de outros lesados, haja vista a possibilidade do reconhecimento do dano moral coletivo ambiental, a exemplo do acordo para pagamento de 1,7 bilhão de reais assinado em julho de 2023 com o Município de Maceió/AL.

O princípio da reparação integral acarreta, inclusive, o acompanhamento/monitoramento dos danos a serem gerados por esse afundamento no futuro, aptos a gerarem novos pleitos indenizatórios.

Infelizmente temos convivido, nos últimos anos, com graves desastres ambientais, ocorridos, na maioria das vezes, por exploração inadequada ou falta de aplicação das medidas preventivas necessárias, o que reforça a necessidade de aumento progressivo da estrutura administrativa fiscalizatória dos órgãos ambientais.

Vamos acompanhar o desfecho dessa tragédia.

Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

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