Sou o professor Allan Montoni Joos, defensor Público do Estado de Goiás, professor universitário e de pós-graduação, pós-graduado em Direito Público, autor e palestrante, e coordenador no Estratégia Carreira Jurídica.
Neste artigo comentamos cada uma das 5 novas Súmulas editadas pelo Superior Tribunal de Justiça, a fim de manter o leitor atualizado com os mais recentes entendimentos consolidados da jurisprudência pátria.
Com efeito, no último dia 13 de setembro, o Superior Tribunal de Justiça aprovou cinco novas Súmulas que tratam de assuntos criminais.
Os referidos enunciados referendam entendimentos que já eram majoritários daquela corte, reforçando ainda mais os seus posicionamentos.
E pensando em trazer o melhor conteúdo e de forma atualizadíssima, analisei e comentei cada uma das súmulas.
Passemos à análise de cada uma delas:
Súmula 658: O crime de apropriação indébita tributária pode ocorrer tanto em operações próprias como em razão de substituição tributária.
O crime de apropriação indébita tributária está tipificado no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, que possui a seguinte redação:
Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
(…)
Art. 2º Constitui crime da mesma natureza:
(…)
II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
(…)
Pena – detenção, de 6 (seis) a 2 (dois) anos, e multa.
O que diz a súmula é que o crime ocorre tanto nos casos das operações próprias, quanto na substituição tributária, já que ambas as situações estão abrangidas pelas expressões “descontado” e “cobrado” previstas no inciso II do artigo 2º da Lei n. 8.137/90.
A adequada compreensão do referido entendimento enseja a interpretação de ambas as expressões previstas na norma (descontado ou cobrado).
Em linhas gerais, quando se diz que o tributo foi descontado, verifica-se a hipótese de substituição tributária, uma vez que o responsável descontou do pagamento o fato gerador ao fornecedor, ou seja, fez a retenção na fonte por ocasião do pagamento, porém não o recolheu ao fisco.
Já a expressão “cobrado” se refere aos tributos indiretos, incluídas as operações próprias, em que o responsável tributário cobra de terceiro o valor e mesmo assim não o recolhe ao fisco. Imaginemos como exemplo o ICMS em que o encargo do tributo é transferido ao adquirente até o consumidor final. O crime ocorre quando esse responsável tributário que fez a cobrança do adquirente, ou consumidor, não paga (recolhe) o tributo ao fisco. Justamente por isso, o STJ entende que também quando há operações próprias (quando o agente cobra e é responsável pelo tributo) também ocorre o crime de apropriação indébita tributária.
Passemos à análise, agora, da Súmula 659 do STJ.
Súmula 659: A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações.
O crime continuado, como sabemos, é uma modalidade de concurso de crimes em que, por uma ficção jurídica, o legislador optou por considerar uma multiplicidade de condutas típicas como uma única infração, incidindo-se o aumento de 1/6 a 2/3.
A continuidade delitiva está prevista no artigo 71 do Código Penal que assim dispõe:
Art. 71 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único – Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Temos, portanto, como requisitos da continuidade delitiva, a pluralidade de ações, nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução e a unidade de desígnios para a prática de crimes da mesma espécie. Vale destacar que para a continuidade delitiva o Código Penal adotou a teoria objetivo-subjetiva (teoria mista), já que são utilizados requisitos de ordem objetiva e subjetiva.
Para aplicação da pena, utilizar-se á a pena de um dos crimes, se idêntica, ou a mais grave, se diversas, aumentada de 1/6 a 2/3.
Uma dúvida que pode surgir é: preenchidos os requisitos legais da continuidade delitiva, como será calculada a fração a ser aplicada?
E é justamente essa dúvida que foi solucionada pela jurisprudência majoritária do STJ que agora é corroborada pelo entendimento sumular acima transcrito.
Assim, a partir do entendimento sumulado percebe-se que o cálculo da fração decorre justamente do número de infrações penais praticadas.
É muito importante, entretanto, distinguir as diversas modalidades de continuidade delitiva: crime continuado simples, qualificado ou específico.
Será simples quando se tratar de infrações com a mesma pena, ao passo em que será qualificado quando houver crimes com penas distintas, ainda que da mesma espécie.
Já o crime continuado específico é aquele previsto no parágrafo único do artigo 71 do Código Penal, quando, nos crimes dolosos contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.
Note que a regra do número de infrações não se aplica, portanto, a regra indicada pela súmula, mas sim aquela específica indicada pelo aludido dispositivo legal.
Vamos agora analisar a Súmula n 660:
Súmula 660: A posse, pelo apenado, de aparelho celular ou de seus componentes essenciais constitui falta grave.
Neste ponto, a Súmula teve por finalidade, na realidade, consagrar o entendimento de que também a posse de componentes de aparelho celular configura falta grave.
O artigo 50, da lei nº 7.210/84, assim dispõe:
Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.
Veja que a posse, utilização ou fornecimento de aparelho telefônico, por expressa disposição legal, configura falta grave, não havendo controvérsia neste ponto.
Já no que tange à posse de componentes, como, por exemplo, o chip, a legislação é silente. Para superar a dúvida acerca da tipificação ou não da falta, o Superior Tribunal de Justiça foi provocado e firmou o entendimento no sentido de que os componentes essenciais, por serem indispensáveis ao funcionamento do aparelho celular, também configuram a falta grave.
Segundo a Corte, o objetivo do inciso VII é o de evitar a comunicação entre as pessoas, dentro e fora do cárcere, a fim de impedir a continuidade da atividade criminosa. Para o STJ, entendimento diverso permitiria o fracionamento do aparelho entre várias pessoas a fim de evitar a aplicação das sanções previstas a LEP.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2. EXECUÇÃO PENAL. APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. POSSE DE CHIP DE TELEFONIA CELULAR NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL. CONDUTA VERIFICADA APÓS A EDIÇÃO DA LEI N. 11.466/2007. ART. 50, VII, DA LEP. CARACTERIZAÇÃO DA FALTA GRAVE MESMO SE APREENDIDO APENAS COMPONENTE DE TELEFONIA CELULAR. PRECEDENTES DESTA CORTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 3. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no afã de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente, a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal. 2. Configura falta grave não apenas a posse de aparelho celular, mas também a de seus componentes, como, no caso, o chip de telefonia móvel. Inteligência do art. 50, VII, da LEP, “Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”. Precedentes. 3. Habeas corpus não conhecido. (HC 260.122/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 21/03/2013, DJe 02/04/2013)
Analisemos, agora, a Súmula 661 que também trata de Execução Penal.
Súmula 661: A falta grave prescinde da perícia do celular apreendido ou de seus componentes essenciais.
Também consolidando entendimento jurisprudencial sobre o tema, a Súmula 661 reforça a desnecessidade de realização de exame pericial no aparelho celular para a configuração da falta grave, quando apreendido no estabelecimento prisional.
Para o Superior Tribunal de Justiça, a perícia no celular apreendido não é necessária para a configuração da falta grave porque a posse de aparelho celular, juntamente com seus componentes essenciais, é considerada uma falta disciplinar de natureza grave de acordo com o artigo 50, inciso VII, da Lei de Execução Penal. Portanto, a simples constatação da posse do aparelho celular é suficiente para caracterizar a falta grave, não sendo necessário realizar uma perícia para comprovar sua utilização ou funcionalidade.
Súmula 662: Para a prorrogação do prazo de permanência no sistema penitenciário federal, é prescindível a ocorrência de fato novo; basta constar, em decisão fundamentada, a persistência dos motivos que ensejaram a transferência inicial do preso.
Inicialmente, é importante lembrar o leitor de que a Lei que regulamentou a transferência e inclusão de presos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima, é a Lei nº 11.671/2008, que, em síntese, permite a referida inclusão quando a medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso, condenado ou provisório.
Consoante decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, não há previsão legal, na referida lei, que defina prazo limite para a permanência do preso no presídio federal, bastando decisão fundamentada que justifique a necessidade de permanência e indique dados concretos que justifiquem a excepcionalidade da medida, não dependendo isso de que ocorra fato novo para a sua manutenção.
Esse verbete sumular confirma a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido (por exemplo, vide RHC nº 44.915-PR). O Supremo Tribunal Federal também se filiou a esse entendimento (vide HC 212713-RJ).
Enfim, essas são nossas considerações sobre as novas Súmulas editadas.
Não deixe de estuda-las, já que certamente o conhecimento das Súmulas recentes será cobrado nos concursos das carreiras jurídicas em geral.
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