No último domingo, 21 de dezembro, foram aplicadas as provas do Concurso para Juiz Substituto do Mato Grosso do Sul. A banca organizadora já divulgou o gabarito preliminar, e nossa equipe realizou uma análise técnica detalhada, elaborando recursos para algumas questões.
Durante essa análise, foram identificadas inconsistências relevantes, com potencial de impactar diretamente o resultado dos candidatos.
Neste artigo, você confere os principais pontos de atenção e os fundamentos jurídicos que embasam cada recurso.
RECURSO ADMINISTRATIVO – QUESTÃO 40
A alternativa indicada como correta (letra “A”) não encontra amparo na legislação aplicável. A Portaria nº 1.082/2014 não estabelece que “a suspensão da execução da medida socioeducativa será avaliada, no mínimo, a cada seis meses”.
O Art. 13 da Portaria trata da composição das equipes de saúde mental, enquanto o Art. 10 estabelece diretrizes gerais de organização da atenção à saúde. A periodicidade semestral mencionada na alternativa “A” confunde-se com o instituto da reavaliação da medida socioeducativa previsto no Art. 42 da Lei 12.594/2012 (Sinase), que não se refere à avaliação de eventual suspensão da execução. Trata-se, portanto, de afirmação sem respaldo normativo.
Por outro lado, a alternativa “E” está correta e decorre da aplicação conjugada da Lei 10.216/2001, do princípio da incompletude institucional e do Art. 112, § 3º do ECA. Diante de transtorno mental grave que impeça o cumprimento pedagógico da medida socioeducativa, é cabível a suspensão judicial de sua execução para inclusão do adolescente em programa de atenção integral à saúde mental (Art. 101, V, ECA), com a consequente suspensão do prazo máximo de internação.
Esta solução harmoniza-se com o previsto no Art. 10, II, “d” da própria Portaria 1.082/2014, que assegura acesso a serviço hospitalar de referência “respeitando-se as determinações da Lei nº 10.216/2001”.
Requer-se, assim, a anulação da questão ou, subsidiariamente, a alteração do gabarito para a alternativa “E”.
Questão 43
Deveria haver a a alteração do gabarito da alternativa B para a alternativa D. A realização do risco no resultado é o ponto central da questão.
Segundo a teoria da imputação objetiva elaborada por Claus Roxin um resultado causado pelo agente só pode ser imputado ao tipo objetivo se a conduta, por ele praticada, houver criado um perigo para o bem jurídico não coberto por um risco permitido. Esse perigo deve ter se realizado no resultado concreto. O jurista alemão exemplifica.
Entretanto, excepcionalmente pode desaparecer a imputação se a abrangência da norma incriminadora não alcança determinados perigos e suas repercussões. É o chamado âmbito de abrangência da norma.
De acordo com a exigência de que o risco não permitido se concretize no resultado, se alguém pratica uma lesão leve e a vítima vai ao hospital, onde morre em um incêndio, houve risco proibido. Para Roxin, nesse caso o perigo não se realizou no resultado, ou seja, o risco que foi causado à integridade física não se realizou na morte, causada exclusivamente pelo incêndio. O risco praticado pelo agente seria o de a vítima morrer em consequência da lesão praticada, e não de ela morrer eventualmente de um incêndio, que ele não poderia sequer prever.
De igual modo, no enunciado, o risco criado foi de morrer pelos disparos da arma de fogo. Assim, o risco criado pelo agente teria se realizado no resultado, dentro do âmbito de proteção da norma, se ele morresse em decorrência dos disparos. O susto criado pelo disparo não estaria abrangido pela teoria da imputação objetiva.
Ademais, a questão trata de tema controverso. Enquanto a teoria do nexo causal implicaria a responsabilidade pela morte, a teoria da imputação objetiva possui nuances diferentes, a depender da doutrina adotada. Por isso, não deveria ser adotada uma alternativa como correta.
Assim, deveria ter alteração do gabarito ou, subsidiariamente, a anulação da questão.
Questão 49
O gabarito indicado pela banca merece reforma, pois a alternativa C é incompatível com o art. 147-A, § 3º, do Código Penal. O referido dispositivo legal estabelece, de forma expressa, que o crime de perseguição somente se procede mediante representação. Trata-se, portanto, de regra clara quanto à natureza da ação penal, que não comporta exceção.
No caso descrito no enunciado, embora haja referência a violência doméstica e à prática de crimes mais graves, a alternativa C afirma que todos os delitos seriam de ação penal pública incondicionada, incluindo o crime de perseguição. Tal assertiva viola diretamente a literalidade do § 3º do art. 147-A. A tentativa de feminicídio, ainda que constitua crime de ação penal pública incondicionada, não altera a natureza da ação penal do delito de perseguição, já que cada crime conserva sua disciplina própria.
Além disso, o art. 147-A não contém qualquer previsão de conversão automática da ação penal condicionada em incondicionada pelo simples fato de coexistir com crime mais grave. A legislação penal brasileira não admite essa transposição automática de regimes de procedibilidade, sendo imprescindível previsão legal expressa, inexistente no caso. Assim, ao afirmar que o crime de perseguição seria processado independentemente de representação, a alternativa C incorre em erro direto de subsunção normativa.
Ademais, não há concurso entre feminicídio e descumprimento de medida protetiva, mas sim a incidência de feminicídio majorado, sob pena de bis in idem:
“As medidas protetivas previstas na chamada Lei Maria da Penha e mencionadas no dispositivo que traz a majorante são:
“I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; (…)”
Logo, se tiver sido imposta uma dessas medidas acima mencionadas e o agente a descumprir, cometendo o delito de feminicídio, incidirá a majorante. Não são todas as medidas protetivas que, se violadas, ensejam o aumento de pena do crime. Também não há que se falar em concurso entre o feminicídio majorado com o delito do art. 24-A da Lei Maria da Penha, sob pena de caracterização de bis in idem” (Avelar, Michael Procopio. Manual de Direito Penal – Volume Único – Parte Geral e Parte Especial. 4.ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2025, p. 859).
“O feminicídio praticado com descumprimento das medidas protetivas de urgência absorve o crime previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha, mas terá a pena aumentada, de 1/3 (um terço) até a metade. Não há falar em concurso entre o feminicídio majorado e o delito capitulado no art. 24-A da Lei Maria da Penha, sob pena de caracterização do bis in idem.” MASSON, Cleber. Direito Penal – Parte Especial (arts. 121 a 212) – Vol. 2 – 18ª Edição 2025. 18. ed. Rio de Janeiro: Método, 2025. E-book. p.64. ISBN 9788530996369. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788530996369/. Acesso em: 23 dez. 2025.
É a mesma posição do professor da USP Luciano Anderson de Souza e de Rogério Sanches Cunha.
Dessa forma, a alternativa C não pode ser considerada correta, pois contraria frontalmente o art. 147-A, § 3º, do Código Penal. Além disso, a doutrina vem defendendo que, em caso de feminicídio e descumprimento de medida protetiva de urgência prevista no artigo 22, incisos I, II, e III, da Lei n. 11.340/2006, haverá a incidência da majorante do feminicídio, e não o concurso de crimes. Impõe-se, portanto, anulação da questão.
Questão 50
O gabarito atribuído à alternativa A merece reforma, pois ela apresenta fundamentação manifestamente incorreta acerca do princípio da proteção penal do bem jurídico. A assertiva sustenta que tal princípio estaria materialmente implícito na Constituição da República a partir da garantia da inafastabilidade da jurisdição, o que não encontra qualquer respaldo na dogmática penal nem na teoria constitucional. A doutrina, ao mencionar a teoria do bem jurídico e a sua relação com a Constituição não tem invocado o princípio processual, por exemplo:
“De acordo com a teoria constitucional do Direito Penal, a tarefa de criação de crimes e cominação de penas somente se legitima quando são tutelados valores consagrados na Constituição Federal. Em outras palavras, a eleição dos bens jurídicos dignos de proteção penal deriva dos mandamentos constitucionais. Exemplificativamente, o fundamento de validade do delito de homicídio é o direito à vida (CF, art. 5.º, caput), assim como o arrimo dos crimes de calúnia, difamação e injúria encontra-se no art. 5.º, X, da Lei Suprema, relativo à inviolabilidade da honra. Como leciona Claus Roxin:
O ponto de partida correto consiste em reconhecer que a única restrição previamente dada para o legislador se encontra nos princípios constitucionais. Portanto, um conceito de bem jurídico vinculante político-criminalmente só pode derivar dos valores garantidos na Lei Fundamental, do nosso Estado de Direito baseado na liberdade do indivíduo, através dos quais são marcados os limites da atividade punitiva do Estado.” MASSON, Cleber. Direito Penal – Parte Geral (arts. 1º a 120) – Vol. 1 – 19ª Edição 2025. 19. ed. Rio de Janeiro: Método, 2025. E-book. p.49. ISBN 9788530996017. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788530996017/. Acesso em: 23 dez. 2025.
A inafastabilidade da jurisdição, prevista no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, é garantia de natureza estritamente processual, assegurando o acesso ao Poder Judiciário diante de lesão ou ameaça a direito, não possuindo qualquer relação lógica ou normativa com os limites materiais da criminalização ou com a legitimação do jus puniendi estatal. A teoria do bem jurídico, ao contrário, decorre de princípios materiais como a dignidade da pessoa humana, a ofensividade, a intervenção mínima e a fragmentariedade do Direito Penal, não podendo ser artificialmente reconduzida a uma garantia de acesso à jurisdição, sob pena de grave confusão conceitual.
O STF já invocou a inafastabilidade, mas para justificar que a pretensão da pretensão punitiva seja iniciada com o trânsito em julgado para ambas as partes, não tratando de proteção de bem jurídico de forma expressa, mas tratando apenas de uma leitura sistemática sobre as regras de prescrição (RE 696533, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 06-02-2018)
A alternativa A, portanto, incorre em erro dogmático evidente ao vincular um princípio material de legitimação do Direito Penal a um dispositivo constitucional de índole processual, razão pela qual não pode ser considerada correta. Dessa forma, ao considerar correta a alternativa A, a banca incorreu em erro de fundamentação jurídica, devendo ser anulada a questão, por ausência de alternativa correta na questão.
Direito Empresarial (Prof. Daniel Rizza)
Prova Tipo 2, Questão nº 75 — Recuperação Extrajudicial (Lei nº 11.101/2005)
Gabarito preliminar: letra B
Pedido: anulação da questão ou alteração do gabarito para a letra D
I. Síntese da questão
A questão versa sobre a validade de cláusula constante de plano de recuperação extrajudicial, homologado judicialmente, que foi objeto de impugnação por credor, tendo a magistrada rejeitado a objeção por entender que a cláusula não é ilegal.
Pede-se, então, a identificação da cláusula compatível com a Lei nº 11.101/2005, considerando correta a decisão judicial.
II. Incorreção da alternativa B (gabarito preliminar)
A alternativa B afirma ser válida cláusula que preveja:
“o pagamento de créditos em moeda estrangeira mediante conversão para moeda nacional pelo câmbio do dia da homologação do plano ou pelo câmbio da data do pagamento, à escolha do devedor”.
Tal previsão não encontra respaldo legal e contraria frontalmente a Lei nº 11.101/2005, especialmente os dispositivos que regem a recuperação extrajudicial.
1. Regra legal específica da recuperação extrajudicial
O art. 163, § 3º, I, da Lei nº 11.101/2005, é expresso ao dispor que:
“o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda nacional pelo câmbio da véspera da data de assinatura do plano”, para fins de apuração do quórum.
Além disso, o § 5º do art. 163 estabelece regra clara e restritiva:
“Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação extrajudicial.”
Ou seja: não há liberdade do devedor para escolher o câmbio, e; qualquer afastamento da variação cambial depende de aprovação expressa do credor titular do crédito.
2. Harmonia com o regime da recuperação judicial e da falência
Essa mesma lógica é reproduzida em outros regimes da Lei nº 11.101/2005:
- Recuperação judicial — art. 50, § 2º:
“Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação (…) e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano”.
- Falência — art. 77:
“converte todos os créditos em moeda estrangeira para a moeda do País, pelo câmbio do dia da decisão judicial”.
Em nenhum desses regimes há autorização legal para atribuir ao devedor a escolha do momento do câmbio, como propõe a alternativa B.
3. Vício central da alternativa B
A alternativa B cria verdadeiro livre arbítrio cambial em favor do devedor, permitindo-lhe optar pelo câmbio: da homologação OU da data do pagamento, o que: não está previsto na lei; viola o equilíbrio entre credores e devedor; contraria norma cogente da Lei nº 11.101/2005.
Logo, a cláusula descrita na alternativa B é ilegal, razão pela qual não pode ser considerada correta.
III. Alternativa D como a menos incorreta (pedido subsidiário)
Caso não se reconheça a nulidade da questão, a alternativa D deve ser adotada como gabarito, por ser a única compatível com a lógica legal do instituto.
A alternativa D trata da:
“substituição da variação cambial pelo IPCA como índice de correção dos créditos em moeda estrangeira, cuja aprovação ocorrerá se o plano for assinado por credores titulares de mais da metade dos créditos quirografários a ele submetidos”.
Tal previsão é juridicamente possível, desde que:
- haja aprovação do plano pela maioria dos credores da classe abrangida (art. 163, caput);
- e aprovação expressa dos titulares dos créditos em moeda estrangeira, conforme exige o art. 163, § 5º, da Lei nº 11.101/2005.
Embora a alternativa D não seja tecnicamente perfeita, ela respeita o núcleo da exigência legal: o afastamento da variação cambial decorre de previsão no plano regularmente aprovado, e não de decisão unilateral do devedor.
IV. Pedido
Diante do exposto, requer-se:
a) a anulação da questão, por inexistir alternativa integralmente correta, especialmente diante da manifesta ilegalidade da alternativa B;
ou, subsidiariamente,
b) a alteração do gabarito para a alternativa D, por ser a única compatível com o regime jurídico da recuperação extrajudicial, nos termos dos arts. 163, § 3º, I, e § 5º, da Lei nº 11.101/2005.
Termos em que,
Pede deferimento.
TJMS – Direitos Humanos – Prova 02 – Questão 97
Alteração de gabarito de ‘E’ para ‘B’.
RAZÕES DO RECURSO
Pugna-se a alteração do gabarito oficial da questão 97, de “E” para “B”, ante a manifesta correção do Argumento II, conforme as razões de fato e de direito a seguir expostas:
DA INDIVISIBILIDADE E UNICIDADE DOS DIREITOS NA DUDH
O Argumento II sustenta que “direitos de primeira e de segunda dimensões se integram na Declaração, de modo a reconhecer a unicidade do ser humano”. Tal afirmação guarda absoluta simetria com a gênese histórica e a estrutura normativa da DUDH de 1948.
Diferente dos Pactos de 1966, que cindiram os direitos em dois instrumentos distintos por razões geopolíticas, a DUDH é reconhecida pela doutrina majoritária (Cançado Trindade, Flávia Piovesan) como o documento que consagra a indivisibilidade e a interdependência dos Direitos Humanos. Ao fundir direitos civis e políticos com direitos econômicos, sociais e culturais em um único corpo normativo, a DUDH protege a integridade do ser humano em sua plenitude, não admitindo a proteção de uma dimensão em detrimento da outra.
DA VEDAÇÃO EXPRESSA AO NÃO RECONHECIMENTO (ART. 30 DA DUDH)
O ponto de insurgência do gabarito parece residir na expressão “sendo expressamente vedado que alguns deles não sejam reconhecidos”. Todavia, tal vedação encontra lastro textual expresso no Artigo 30 da Declaração, in verbis:
“Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento de qualquer direito a um Estado, grupo ou pessoa de dedicar-se a atividades ou praticar atos que tenham por objeto a destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.”
Ora, se o texto veda expressamente qualquer interpretação ou ato que vise à destruição dos direitos ali estabelecidos, por óbvio, veda o seu não reconhecimento.
O “não reconhecimento” de um direito humano proclamado é, em última análise, a forma mais radical de sua destruição jurídica e prática.
A expressão “expressamente vedado” utilizada na questão refere-se, portanto, à cláusula de salvaguarda do Artigo 30, que impede que o intérprete ou o Estado utilize a discricionariedade para suprimir a validade de qualquer direito previsto no catálogo da DUDH.
DA SUPRALEGALIDADE E STATUS JURÍDICO
Embora a DUDH tenha sido adotada sob a forma de Resolução, o próprio Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconhecem que seus preceitos constituem a base axiológica e jurídica do Sistema Global. Sustentar que o “não reconhecimento” não é vedado equivaleria a esvaziar a força normativa da Declaração e contrariar o princípio da proibição do retrocesso.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, resta demonstrado que o Argumento II está integralmente correto, tanto sob a ótica da Teoria Geral (indivisibilidade) quanto sob a ótica da literalidade do Artigo 30 (vedação à destruição/negação dos direitos).
Dessa forma, requer-se a alteração do gabarito para a alternativa (B).
Saiba mais: Concurso TJ MS JUIZ
