Explicação do caso
O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que Ana Hickmann pague uma pensão mensal de R$ 15 mil ao ex-marido, Alexandre Correa. A justificativa foi a de que ele perdeu sua principal fonte de renda após ser afastado das empresas em que ambos eram sócios.
O afastamento foi consequência das medidas protetivas concedidas à apresentadora, que alegou ter sido vítima de violência doméstica. Além disso, Alexandre também recebeu como condenação o pagamento de pensão alimentícia de R$ 4,5 mil ao filho do casal.
O caso suscita discussões importantes sobre a aplicação dos alimentos compensatórios, especialmente em situações envolvendo violência doméstica.
Aspectos jurídicos relevantes
Direito à pensão alimentícia entre cônjuges
A fixação de alimentos entre cônjuges ou ex-cônjuges encontra fundamento no artigo 1.694 do Código Civil. O dispositivo estabelece o direito de ambos, qualquer que seja o gênero, de receber alimentos necessários para viver de forma compatível com a condição social e atender às necessidades básicas de subsistência.
Ademais, o §1º do aludido dispositivo estabelece um critério para a fixação do valor da prestação, que leva em consideração, de um lado, a necessidade do credor, e de outro, a possiblidade do devedor. Trata-se do binômio necessidade-possibilidade.
A prestação de alimentos destina-se à própria subsistência do alimentando e não se confunde com os alimentos compensatórios e os alimentos ressarcitórios.
Alimentos compensatórios e alimentos ressarcitórios
Os alimentos compensatórios são uma criação da doutrina e da jurisprudência, baseados em princípios como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar e a proibição do abuso de direito.
Sua finalidade é indenizar, de forma excepcional, o ex-cônjuge ou ex-companheiro que sofre uma redução brusca no padrão de vida após o término do relacionamento. Não se busca equiparar economicamente o ex-casal. A intenção, por outro lado, é reduzir os impactos negativos da diferença patrimonial, garantindo que a pessoa não fique em situação de vulnerabilidade.
Já os alimentos ressarcitórios têm caráter diferente: servem para compensar o ex-cônjuge pelo fato de o outro ter assumido a administração exclusiva do patrimônio comum antes da partilha dos bens.
Ou seja, eles se baseiam no princípio de evitar o enriquecimento sem causa, funcionando como uma antecipação do valor que o ex-consorte teria direito, proporcional ao uso ou à gestão unilateral dos bens em benefício de uma das partes.
Essa distinção vem muito bem-feita no REsp n. 1.954.452/SP, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze.
No caso de Ana Hickmann a decisão judicial se refere aos chamados alimentos compensatórios, que buscam garantir, como se percebe, que o credor possa viver de modo compatível com a sua condição social, buscando mitigar a queda repentina do padrão de vida, em razão de seu afastamento das atividades empresariais.
Em relação a Alexandre, talvez o mais adequado fosse a fixação dos denominados alimentos ressarcitórios, já que o fundamento utilizado na decisão (segundo consta da reportagem) foi o seu afastamento das atividades da ou das empresas, o que lhe privou de recursos dela oriundos.
Agressão e a cessação do dever de alimentos
Em 11 de novembro de 2023, Ana Hickmann registrou um boletim de ocorrência contra o ex-marido, Alexandre Correa, por lesão corporal e violência doméstica em sua mansão em Itu (SP). Durante uma discussão na cozinha, na presença do filho do casal e de funcionários, Alexandre teria pressionado Ana contra a parede e ameaçado agredi-la com cabeçadas, assustando o menino, que deixou o local. Ao tentar pegar o celular para chamar a polícia, Ana relata que Alexandre fechou uma porta de correr sobre seu braço esquerdo, causando-lhe ferimentos1.
Embora amplamente se reconheça o direito a alimentos, existem limitações, especialmente quando há atos indignos praticados pelo credor em relação ao devedor. O artigo 1.708, parágrafo único, do Código Civil dispõe que pode haver a extinção da obrigação alimentar caso o credor cometa procedimento indigno contra o devedor.
Em um entendimento mais amplo sobre o conceito de indignidade, claramente contemplado pela intenção do legislador ao redigir o artigo 1.814 do Código Civil, os atos de violência doméstica se inserem nesse contexto, por violarem os deveres de respeito e dignidade que sustentam a relação conjugal. Assim, caso se comprove que Alexandre cometeu violência contra Ana, ela poderá ficar desobrigada de pagar a pensão compensatória.
Propostas legislativas sobre alimentos em casos de violência doméstica
A controvérsia envolvendo a obrigação de uma vítima de violência doméstica pagar pensão alimentícia ao agressor tem gerado debate legislativo. Por isso, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que buscam evitar essa situação:
- PL 523/2024: Proíbe que agressores solicitem pensão alimentícia às vítimas.
- PL 1977/2024: Determina que o agressor não pode receber pensão alimentícia.
- PL 472/2023: Prevê a perda do direito à pensão alimentícia para agressores condenados por violência doméstica.
Esses projetos, caso aprovados, ofereceriam maior proteção às vítimas, assegurando que não sejam obrigadas a sustentar financeiramente aqueles que as submeteram a violência.
Conclusão
O caso envolvendo Ana Hickmann e Alexandre Correa ilustra as complexidades da fixação de alimentos em situações que envolvem violência doméstica.
Embora o direito à pensão compensatória esteja amparado pelo Código Civil, a comprovação de agressões pode desonerar a vítima dessa obrigação, conforme previsto no artigo 1.708.
Além disso, a discussão legislativa em curso reflete a urgência de aperfeiçoar a proteção às vítimas, impedindo que sejam penalizadas financeiramente por atos de seus agressores.
- PANDORI, Larissa. Justiça condena Ana Hickmann a pagar pensão mensal de R$ 15 mil para ex-marido. G1 São Paulo. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/noticia/2025/01/09/justica-condena-ana-hickmann-a-pagar-pensao-mensal-de-r-15-mil-por-mes-para-ex-marido.ghtml>. ↩︎
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