Abandono afetivo é ato ilícito gerador de reparação de danos: entenda a lei 15.240/2025 que alterou o ECA

Abandono afetivo é ato ilícito gerador de reparação de danos: entenda a lei 15.240/2025 que alterou o ECA

Prof. Gustavo Cordeiro

Introdução: a responsabilidade civil parental ganha nova dimensão

Em 28 de outubro de 2025, o ordenamento jurídico brasileiro deu um passo histórico ao positivar expressamente o abandono afetivo como ilícito civil passível de reparação. A Lei nº 15.240/2025 alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para reconhecer que a parentalidade vai muito além da assistência material: exige presença, cuidado e afeto.

Para quem estuda para Magistratura, Ministério Público e Defensoria Pública essa mudança legislativa representa um marco que dialoga diretamente com temas recorrentes em provas: responsabilidade civil, direitos fundamentais da criança e do adolescente, poder familiar e proteção integral. Mais do que isso, a lei consolida entendimento jurisprudencial que vinha se formando há anos e que agora ganha força normativa inquestionável.

Este artigo destrincha os principais pontos da nova lei, suas implicações práticas e, principalmente, como o tema pode aparecer nas provas dos concursos mais competitivos do país.

O que mudou no ECA: análise artigo por artigo

Artigo 4º, §§ 2º e 3º: conceituação da assistência afetiva

A grande inovação legislativa está na positivação expressa do dever de assistência afetiva como componente essencial do poder familiar. O novo § 2º do art. 4º estabelece que compete aos pais, além de zelar pelos direitos materiais, prestar aos filhos assistência afetiva por meio de convívio ou visitação periódica que permita o acompanhamento da formação psicológica, moral e social da pessoa em desenvolvimento.

Mais importante ainda, o § 3º define o que se considera assistência afetiva, listando três elementos fundamentais:

I - Orientação nas escolhas de vida: Os pais devem participar ativamente das decisões profissionais, educacionais e culturais dos filhos. Não se trata de impor caminhos, mas de estar presente no processo de escolha, oferecendo orientação e suporte.

II - Solidariedade nos momentos difíceis: A presença parental é especialmente exigida nos momentos de sofrimento ou dificuldade. É quando a criança ou adolescente mais precisa de apoio emocional que o abandono se torna especialmente grave.

III - Presença física solicitada: Quando a criança ou adolescente solicita espontaneamente a presença dos pais e isso é possível de ser atendido, a recusa ou negligência configura abandono afetivo. Aqui, a lei reconhece a importância da manifestação de vontade do menor.

Atenção para concursos: A lei não exige presença física constante e ininterrupta. O que se exige é presença periódica e, principalmente, responsiva às necessidades emocionais do filho. A impossibilidade objetiva (distância geográfica, situação de saúde) deve ser considerada, mas não justifica ausência total de contato por outros meios.

Artigo 5º, parágrafo único: o abandono afetivo como ilícito civil

A alteração mais impactante está no parágrafo único do art. 5º, que expressamente tipifica como conduta ilícita, sujeita a reparação de danos, a ação ou omissão que ofenda direito fundamental de criança ou adolescente, incluindo os casos de abandono afetivo.

Esta redação é estratégica: ela não apenas reconhece o abandono afetivo como ilícito, mas o insere no sistema geral de responsabilidade civil previsto no ECA. Isso significa que o abandono afetivo passa a ter as seguintes características jurídicas:

  • Ilicitude expressa: não é mais necessário recorrer a cláusulas gerais de responsabilidade civil do Código Civil
  • Autonomia conceitual: o abandono afetivo é ilícito em si, independentemente de outros atos
  • Reparabilidade: gera dever de indenizar por danos materiais e morais
  • Cumulatividade: pode coexistir com outras sanções (perda do poder familiar, medidas protetivas, etc.)

Artigo 22: ampliação dos deveres parentais

O art. 22 do ECA, que já elencava os deveres dos pais, passa a incluir expressamente a assistência afetiva ao lado da assistência material. A redação anterior mencionava apenas “assistência”, o que gerava debates sobre a extensão desse dever.

Agora, a lei é cristalina: sustento, guarda, convivência, assistência material e afetiva e educação são deveres autônomos e igualmente exigíveis. O descumprimento de qualquer um deles pode gerar consequências jurídicas, inclusive a indenização por danos.

Artigos 56 e 129: dever de comunicação e medidas aplicáveis

A lei também alterou o art. 56, IV, para incluir o abandono afetivo entre as situações que devem ser comunicadas ao Conselho Tutelar por dirigentes de estabelecimentos de ensino. Isso significa que escolas, creches e outras instituições educacionais têm o dever de notificar casos de negligência afetiva identificados no ambiente escolar.

O art. 129, por sua vez, já previa medidas aplicáveis aos pais ou responsável em casos de violação de direitos da criança. O novo parágrafo único reforça que, na aplicação dessas medidas, deve-se observar o disposto nos arts. 22, 23 e 24 – ou seja, os deveres parentais (inclusive afetivos) e as situações de pobreza que não podem, por si sós, ensejar perda do poder familiar.

Distinção fundamental: abandono afetivo x pobreza

abandono afetivo

Um ponto crucial que a lei preserva é a distinção entre abandono afetivo e situação de vulnerabilidade socioeconômica. O art. 23 do ECA é enfático: a falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do poder familiar.

Para concursos, grave: pobreza não é abandono afetivo. O abandono afetivo pressupõe ausência de presença, cuidado e afeto quando estes são possíveis. Um pai que trabalha longe de casa, mas mantém contato regular, participa das decisões dos filhos e está emocionalmente presente não pratica abandono afetivo, ainda que não possa estar fisicamente presente todos os dias.

Por outro lado, um pai com condições financeiras e possibilidade física de estar presente, mas que deliberadamente se ausenta da vida emocional do filho, pratica abandono afetivo, independentemente de pagar pensão alimentícia.

Responsabilidade civil por abandono afetivo: requisitos

Para configuração da responsabilidade civil por abandono afetivo, devem estar presentes os elementos clássicos da responsabilidade civil subjetiva:

1. Conduta ilícita: ausência de assistência afetiva, conforme definida pela lei

2. Dano: prejuízo à formação psicológica, moral ou social da criança/adolescente. Pode ser dano moral (sofrimento, frustração, sentimento de rejeição) ou até mesmo material (necessidade de tratamento psicológico, por exemplo)

3. Nexo causal: demonstração de que o dano decorreu da ausência de assistência afetiva

4. Culpa ou dolo: o abandono deve ser voluntário ou decorrer de negligência. Situações de impossibilidade objetiva afastam a culpa

Ponto de atenção: a lei não estabelece presunção de dano. Caberá ao autor da ação provar o prejuízo sofrido, ainda que por meio de prova testemunhal, perícia psicológica ou outros elementos. A simples ausência de convivência não gera, automaticamente, direito à indenização – é preciso demonstrar o dano concreto.

Implicações processuais e probatórias

Do ponto de vista processual, algumas questões práticas merecem destaque:

Legitimidade ativa: a criança ou adolescente, representado ou assistido, conforme a idade. Na maioridade, o próprio filho pode ajuizar ação indenizatória pelos danos sofridos na infância/adolescência.

Legitimidade passiva: o genitor que praticou o abandono afetivo. Ambos os genitores podem ser responsabilizados se ambos contribuíram para o abandono.

Competência: Vara da Infância e da Juventude, nos termos do art. 148, IV, do ECA, que atribui à Justiça da Infância e da Juventude competência para conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais afetos à criança e ao adolescente. O foro competente é o do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão (art. 209 do ECA), tratando-se de competência absoluta.

Prova do abandono: pode ser feita por todos os meios admitidos em direito. Provas típicas incluem testemunhas (familiares, professores, vizinhos), registros escolares, laudos psicológicos, histórico de ausência em datas significativas, falta de participação em eventos escolares, ausência de contato por longos períodos.

Quantum indenizatório: deve observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, considerando a extensão do dano, a capacidade econômica do ofensor, o tempo de abandono e as circunstâncias específicas do caso.

Como o tema pode cair na sua prova

João, empresário bem-sucedido, separou-se de Maria quando o filho Pedro tinha 3 anos de idade. João paga regularmente pensão alimentícia no valor de 5 salários-mínimos, mas nunca visitou o filho, não comparece a eventos escolares, não participa de decisões sobre a educação de Pedro e não atende às ligações do menino. Pedro, hoje com 15 anos, desenvolve quadro de depressão e baixa autoestima, conforme laudo psicológico que atesta relação entre o abandono paterno e o sofrimento psíquico.

Considerando a Lei 15.240/2025, assinale a alternativa correta:

a) João não pode ser responsabilizado civilmente, pois cumpre regularmente com o dever de sustento material, pagando pensão alimentícia acima do valor mínimo legal.

b) A responsabilização de João por abandono afetivo depende da comprovação de que ele teve dolo específico de causar sofrimento ao filho, não sendo suficiente a mera negligência.

c) João praticou abandono afetivo, ilícito civil passível de reparação de danos, pois deixou de prestar assistência afetiva ao filho, conforme previsto no ECA, o que gerou dano psicológico comprovado.

d) A situação não configura abandono afetivo porque Pedro pode buscar apoio emocional em outras figuras familiares, como a mãe e os avós maternos.

e) O abandono afetivo só pode ser caracterizado quando há ausência completa de qualquer tipo de assistência, inclusive material, o que não ocorreu no caso.

GABARITO: C.

Explicação:

✅ Alternativa C (CORRETA): João praticou abandono afetivo. A Lei 15.240/2025 estabeleceu expressamente que a assistência afetiva é dever autônomo dos pais, que não se confunde com assistência material. O pagamento de pensão alimentícia, ainda que em valor elevado, não supre o dever de convívio, presença, orientação e solidariedade. No caso, estão presentes todos os elementos da responsabilidade civil: (i) conduta ilícita – ausência de assistência afetiva; (ii) dano – quadro depressivo e baixa autoestima; (iii) nexo causal – laudo atesta relação entre abandono e dano; (iv) culpa – negligência deliberada do pai. O art. 5º, parágrafo único, do ECA, alterado pela lei, expressamente prevê que o abandono afetivo é ilícito civil gerador de reparação.

❌ Alternativa A (INCORRETA): Confunde assistência material com assistência afetiva. A lei estabeleceu que são deveres autônomos (art. 22 do ECA). O cumprimento do dever de sustento não exime o genitor do dever de assistência afetiva.

❌ Alternativa B (INCORRETA): A responsabilidade civil por abandono afetivo admite tanto o dolo quanto a culpa (negligência). Não é necessário comprovar intenção específica de causar dano. A negligência deliberada e prolongada configura culpa suficiente para a responsabilização.

❌ Alternativa D (INCORRETA): A existência de outras figuras de apoio não exime os pais do dever de assistência afetiva. O vínculo parental é insubstituível e a presença de outros familiares, embora importante, não supre a ausência dos genitores.

❌ Alternativa E (INCORRETA): A lei não exige ausência total de assistência. O abandono afetivo se configura pela ausência de assistência afetiva especificamente, ainda que haja assistência material. São deveres distintos e autônomos.

Conclusão estratégica: o que você precisa memorizar

Para sua prova de concurso, fixe estes pontos essenciais sobre a Lei 15.240/2025:

1. Assistência afetiva agora é dever legal expresso, autônomo e distinto da assistência material.

2. Abandono afetivo é ilícito civil tipificado no ECA, gerador de reparação de danos materiais e morais.

3. Os três elementos da assistência afetiva são: orientação nas escolhas de vida, solidariedade nos momentos difíceis e presença física quando solicitada e possível.

4. Pobreza não é abandono. A lei preserva a distinção entre vulnerabilidade socioeconômica e negligência afetiva.

5. A responsabilidade civil por abandono afetivo exige prova de dano concreto, nexo causal e culpa/dolo – não há presunção automática.

6. O pagamento de pensão alimentícia não exime do dever de convivência e assistência afetiva.

Esta lei representa uma mudança de paradigma: o Direito reconhece que afeto, presença e cuidado são direitos fundamentais da criança, tão importantes quanto alimentação e educação. Nos próximos concursos, espere questões que testem sua capacidade de distinguir assistência material de afetiva, identificar requisitos da responsabilidade civil e aplicar o princípio da proteção integral da criança e do adolescente.

A parentalidade responsável agora tem uma nova dimensão legal – e você precisa dominá-la para sua aprovação.


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