A (in)constitucionalidade da imediata execução da pena imposta pelo Tribunal do Júri

A (in)constitucionalidade da imediata execução da pena imposta pelo Tribunal do Júri

Olá, corujas!

Sou o professor Guilherme Carneiro de Rezende, Professor de Processo Penal e de Legislação Institucional (MP), Promotor de Justiça no MPPR, Ex-Defensor Público da União, Ex- Procurador da Fazenda Nacional, Doutorando e mestre em direito.

Trouxe abaixo uma análise para reflexão sobre o tema: A (in)constitucionalidade da imediata execução da pena imposta pelo Tribunal do Júri.

Neste artigo abordaremos os rumos tomados pelo STF no julgamento do tema de repercussão geral 1.068, que discute a constitucionalidade do artigo 492, I, e, do CPP, que autoriza a execução imediata da pena privativa de liberdade imposta pelo Tribunal do Júri, quando igual ou superior a 15 anos.

Para a exata compreensão de toda a discussão proposta no julgamento do RE 1.234.350, em que se analisa a constitucionalidade da imediata execução da pena imposta pelo Tribunal do Júri, é necessário antes voltar ao ano de 2016.

Àquela época o STF vinha sendo provocado para decidir a partir de quando seria possível iniciar a execução da pena privativa de liberdade. Como se sabe, a aplicação da sanção prevista no preceito secundário do tipo penal pressupõe a observância do devido processo legal, possibilitando-se que a acusação formulada pelo Parquet (ou o particular, no caso da ação penal privada) seja maturada em juízo, submetida ao crivo das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Ao fim da instrução, o magistrado profere sentença, na qual acolhe ou rejeita o pedido deduzido pelo Ministério Público. Isso contudo, não exaure a prestação jurisdicional, pois pode sobrevir a interposição de recurso pela parte irresignada, que desafia a atuação revisional dos Tribunais.

Os recursos têm assento convencional (vide artigo 8º, da CADH) e constitucional (direito aos meios e recursos inerentes ao devido processo legal), possibilitando que a instância ad quem (de forma monocrática excepcionalmente ou colegiada) reavalie a matéria decidida: mantendo ou anulando/reformando a decisão prolatada. Veja-se que a interposição do recurso devolve ao Tribunal a reapreciação da matéria impugnada (efeito devolutivo).

Com o a prolação da decisão ainda não podemos falar em trânsito em julgado, pois a decisão do Tribunal desafia, nalgumas situações, a interposição dos recursos especiais em sentido lato: recurso especial (Art. 105, III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:  a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.) e recurso extraordinário (Art. 102, III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.) 

O STF vinha entendendo que a execução (que se chamava de provisória) da decisão condenatória poderia ocorrer a partir da confirmação da decisão pelo tribunal de segundo grau de jurisdição, é dizer, a partir do esgotamento das instâncias ordinárias, conforme se vê do HC 126.292, do ano de 2016, verbis:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE.

1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.

2. Habeas corpus denegado.

Sem entrar no mérito dos erros e acertos da decisão – e o presente estudo visa a uma análise objetiva da jurisprudência – o argumento era que, com a decisão de segunda instância a matéria fática estaria consolidada e que poucas eram as taxas de reversão dos julgados nos Tribunais Superiores.

Apesar da consolidação do entendimento acima transcrito, que pode ser visto em tantos outros julgados, o STF voltou a ser provocado sobre a questão, até que em 2019, o assunto retornou à pauta do Supremo no julgamento das ADC’s 43, 44 e 54. A indagação consistia em avaliar se o artigo 283, do CPP (Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado), seria compatível com o princípio da presunção ou do estado de inocência (Art. 5º, LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;), esculpido no rol dos direitos e garantias fundamentais.

Nesta ocasião, entretanto, o STF decidiu que a execução da pena somente poderia ocorrer a partir do trânsito em julgado da decisão, é dizer, após o julgamento de todos os recursos pendentes, incluindo os recursos especiais.

A ementa vem assim transcrita:

PENA – EXECUÇÃO PROVISÓRIA – IMPOSSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA NÃO CULPABILIDADE. Surge constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, a condicionar o início do cumprimento da pena ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, considerado o alcance da garantia versada no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, no que direciona a apurar para, selada a culpa em virtude de título precluso na via da recorribilidade, prender, em execução da sanção, a qual não admite forma provisória.

(ADC 43, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-270  DIVULG 11-11-2020  PUBLIC 12-11-2020)

Um destaque se faz necessário: não é que a prisão seja vedada nesse entremeio entre a prolação da sentença e o trânsito em julgado. Ela é possível sim, porém terá natureza cautelar, é dizer, deverá se basear numa necessidade de se acautelar a ordem pública, a ordem econômica, a instrução do processo, a garantia de aplicação da lei penal, a execução das medidas protetivas etc.

Percebam que a decisão foi proferida em novembro de 2019. A data é relevante porque no mesmo ano, em dezembro de 2019, entrou em vigor a Lei 13.964/19, o alcunhado Pacote Anticrime, que introduziu profundas modificações na legislação penal e processual penal brasileira. Dentre as novidades, uma em particular, guarda relação com o tema ora em estudo:

Art. 492.  Em seguida, o presidente proferirá sentença que:

I – no caso de condenação: 

e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos; 

….

§ 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo.

Em caso de condenação proferida pelo Tribunal do Júri, em pena igual ou superior a 15 anos, o juiz determinará a execução provisória das penas, e (eventual) recurso contra essa decisão NÃO terá efeito suspensivo, ao contrário do que ordinariamente se vê na sistemática dos recursos.

De um lado tínhamos uma decisão do STF afirmando que a execução da pena somente poderia ocorrer após o trânsito em julgado da decisão. De outro, o legislador autorizando, em situação excepcional, a imediata execução da pena, condicionando-a apenas a um determinado quantitativo de sanção. E mais, negando a eventual recurso o efeito suspensivo.

O STJ foi chamado a apreciar a questão sobre a validade da medida em questão e consolidou o entendimento de que a prisão nesta situação seria ilegal, por violar o artigo 283, do CPP, e a leitura feita pelo STF a seu respeito, conforme se vê:

AGRAVO REGIMENTAL NO PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. CONDENAÇÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DO JÚRI. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO.

1. Após o julgamento do STF, nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 54, houve alteração legal no art. 492, I, alínea “e”, do CPP, em 24/12/2019 (Lei 13.964, de 24/12/2019), no sentido de que Presidente do Tribunal de Júri, em caso de condenação, “mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos”.

2. Sobre esse tema, entretanto, vem decidindo esta Corte que é ilegal a prisão preventiva, ou a execução provisória da pena, como decorrência automática da condenação proferida pelo Tribunal do Júri (HC 538.491/PE, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2020, DJe 12/08/2020). A letra da Constituição, que não faz acepção de situações jurídicas (art.5º, LVII), deve estender-se às decisões do Júri.

3. Agravo regimental improvido.

(AgRg no TP n. 2.998/RS, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 21/9/2021, DJe de 27/9/2021.)

Apesar do percurso apontado, o STF recentemente formou maioria para no tema de repercussão geral 1.068, autorizar a execução imediata da pena na hipótese do artigo 492, I, e, do CPP.

O argumento favorável à tese é o de que no Tribunal do Júri vige o princípio da soberania dos veredictos, significando que a decisão dos jurados não pode ser alterada pela vontade do juiz (ou juízes, no caso do Tribunal) togado, senão anulada em caso de ter sido prolatada ao arrepio das provas constantes dos autos. Com isso, as situações de anulação da decisão ficam sobremaneira reduzidas, sobretudo a partir da interpretação que os tribunais têm feito acerca do tema, como se pode ver abaixo:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO AGRAVADA. RECONSIDERAÇÃO. FUNDAMENTOS IMPUGNADOS. CONHECIMENTO. HOMICÍDIO QUALIFICADO E HOMICÍDIO TENTADO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CASSAÇÃO DA DECISÃO DOS JURADOS. JULGAMENTO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ILEGALIDADE EVIDENCIADA.

1. Devidamente impugnados os fundamentos da decisão de inadmissão do recurso especial, é de ser reconsiderada a decisão que não conheceu do agravo, a fim de que se evolua para o exame do mérito.

2. Não de afigura manifestamente contrária à prova dos autos a decisão dos jurados que acolhe uma das versões respaldadas no conjunto probatório produzido. A opção dos jurados por uma ou outra versão, em detrimento dos interesses de uma das partes, não autoriza a cassação do veredicto.

3. A apelação interposta pelo art. 593, inciso III, alínea “d”, do CPP, não autoriza a Corte de Justiça a promover a anulação do julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, simplesmente por discordar do juízo de valor resultado da interpretação das provas.

(AgRg no HC 506.975/RJ, Rel. Ministro Reynaldo Soares de Fonseca QUINTA TURMA, julgado em 06/06/2019, DJe 27/06/2019).

4. Hipótese em que o acórdão recorrido deixou de demonstrar que a decisão dos jurados pela absolvição não se fundamentou em elemento constante dos autos, consignando apenas a existência de prova da prática delitiva, razão por que não há falar-se em julgamento contrário à prova dos autos a justificar o provimento da apelação da acusação pelo Tribunal de origem, sob pena de ofensa à soberania dos veredictos.

5. Agravo regimental provido. Agravo conhecido para prover o recurso especial a fim de restabelecer a sentença absolutória.

(AgRg no AREsp n. 2.076.513/PA, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 14/9/2022, DJe de 20/9/2022.)

Desta forma, a decisão do STF prestigiaria a soberania dos veredictos.

Abraços e bons estudos!

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