Lugar das almas
Li este texto outro dia, quando especulava um interessante site da Internet:
“Meu pai, que gosta de se considerar um sujeito objetivo e pragmático, usa o termo poeta como uma espécie de xingamento. “Fulano é um poeta”, ele diz, querendo dizer “fulano é um irresponsável, um incompetente, vive fora da realidade”. A verdade é que, como já disse o grande escritor argentino Jorge Luis Borges, em tom de blague, a gente é obrigado a se relacionar com poetas – ou até mesmo com gente pior.
E no entanto meu pai tem, sim, e muito mal disfarçada, uma veia poética que sangra regularmente. Ele lê furiosamente, curte palavras charmosas e inteiramente fora de moda, faz questão de escolher expressões evocativas e nostálgicas para se referir aos objetos mais comuns. “Bacia das almas” é o nome que ele deu a uma bacia de alumínio do seu galpão de ferramentas, à qual remete todas as porcas, arruelas e para- fusos para os quais não vê aplicação imediata. É na “Bacia das almas” que vão repousar, talvez para sempre, os objetos rejeitados, tortos, gastos, empenados, os que não se encaixam; é lá que viverão eles na improvável esperança de se tornarem úteis novamente, ou, quem sabe, pela primeira vez.”
Lembrei-me, enquanto lia esse texto tão sugestivo, de que o poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu há muito tempo um livro chamado Brejo das Almas – nome que ele tomou emprestado de uma cidadezinha mineira. É um livro melancólico, e o título espelha bem o estado de ânimo em que se encontrava ele quando escreveu aqueles poemas.
Como se vê, assim como acontece com parafusos tortos e outras tranqueiras inúteis, também conosco parece às vezes não haver outro remédio senão irmos parar numa bacia de alumínio, onde jogamos nossas almas, ou num brejo, onde elas podem atolar.
(Belisário de Lima Tenório)
A relação que se estabelece no texto entre a expressão “bacia das almas” e a expressão Brejo das Almas deveu- se ao fato de que ambas as designações referem-se