Solução do Professor

Conforme explica Katia Regina Ferreira Lobo A. Maciel (in: Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. SRV Editora LTDA, 2023), na adoção intuitu personaehá a intervenção dos pais biológicos na escolha da família substituta, ocorrendo esta escolha em momento anterior à chegada do pedido de adoção ao conhecimento do Poder Judiciário.

Vale dizer, toda a situação de escolha e entrega da criança aos pais socioafetivos se dá sem qualquer intervenção das pessoas que compõem o sistema de justiça da infância e juventude.

Há vários problemas que permeiam esta forma de adoção. O primeiro deles diz respeito aos pais biológicos escolherem quem serão os pais afetivos de seu filho. Entende a doutrina que, se escolhem pessoas para assumir a paternidade de seu filho, deve-se respeitar esta escolha, não havendo nenhum mal nisso, embora uma parcela contrária afirme que, assim agindo, estar-se-á compactuando com a “venda” de uma criança, pois os adotantes podem ter dado algum dinheiro ou favorecimento de qualquer outra ordem para a mãe em troca de seu filho e tal fato viola a dignidade humana.

Outra argumentação que é alçada diz respeito a não haver certeza se os adotantes terão as condições necessárias para exercer a paternidade. Este fato será avaliado no transcorrer da instrução processual, por meio dos pareceres da equipe interprofissional.

Um terceiro argumento apresentado contra a adoção intuitu personae refere-se ao desrespeito ao cadastro, considerando sua obrigatoriedade. Contudo, sendo demonstrada a existência de vínculos afetivos entre a criança e os adotantes, conforme regra constante no art. 28, § 3º, do ECA, estes deverão prevalecer, tendo em vista o superior interesse da criança.

Por fim, segundo os autores, é importante a aceitação da adoção intuitu personae, pois sua negação fará com que as pessoas tenham medo de comparecer às Varas da infância para regularizar sua situação com a criança, o que acarretará duas coisas: que permaneçam com a criança de modo totalmente irregular ou que ocorra a adoção “à brasileira”.

Até 2009, do ponto de vista jurídico, prevalecia a linha de entendimento pela inexistência de empecilho na legislação quanto a poderem os pais biológicos entregar seu filho a quem acharem que poderá bem exercer a paternidade socioafetiva, estando a jurisprudência a adotar este entendimento:

ADOÇÃO DIRIGIDA OU INTUITU PERSONAE. GUARDA PROVISÓRIA DE MENOR. INDEFERIMENTO DO PEDIDO. EXIGÊNCIA DE PROCESSO DE HABILITAÇÃO PARA ADOÇÃO. TECNICISMO DA LEI. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. Agravo de instrumento. Adoção. Menor que, com dois dias de vida, foi entregue pela mãe biológica aos agravantes. Adoção dirigida ou intuitu personae que permite à mãe biológica entregar a criança a terceiros, que passam a exercer a guarda de fato. Juízo a quo que indefere pedido de guarda provisória determinando a busca e apreensão da criança e a colocação em abrigo ao argumento de que o art. 50 do ECA privilegia o processo de habilitação para adoção. Tecnicismo da lei que não deve ser empecilho para manter-se a criança com o guardião provisório em lugar de manter a mesma em abrigos públicos estes que despersonalizam as relações humanas e institucionalizam o emocional. Teoria do apego que oriunda da psicologia não pode ser ignorada pelo Judiciário. Comprovação nos autos de que os agravantes vêm cuidando da criança com afeto, respeito e extremada atenção material e moral durante meses. Dever da sociedade e do poder público de proteger e amparar o menor, assegurando-lhe o direito à convivência familiar e à dignidade. Inteligência dos arts. 1º, III, e 227 da CF/88. Recurso a que se dá provimento para conceder a guarda provisória do menor aos agravantes, até a prolação da sentença. (TJRJ, 2ª Câm. Cív., AI 2007.002.26351, Rel. Des. Cristina Tereza Gaulia, j. 21-11-2007)

Contudo, o legislador estabeleceu regramento com o intuito de impedir a adoção intuitu personae. O art. 50, § 13, do ECA (inserido pela Lei n. 12.010/2009) dispõe que somente será deferida a adoção: para pessoa que não esteja previamente cadastrada se estivermos diante de hipótese de adoção unilateral; se a adoção for postulada por parente com o qual o adotando tenha vínculos de afinidade e afeto; quando o pedido é formulado por quem detenha a guarda jurídica ou a tutela de criança maior de 3 anos de idade, desde que demonstrado o vínculo de afinidade e afeto.