a) Para Tércio Sampaio Ferraz Jr. (Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2019), o direito, como objeto, pode ser estudado de diferentes ângulos. Para esclarecê-los, o autor distingue, genericamente, entre um enfoque zetético e um dogmático. Vejam-se as lições do autor:

“Zetética vem de zetein, que significa perquirir, dogmática vem de dokein, que significa ensinar, doutrinar. Embora entre ambas não haja uma linha divisória radical (toda investigação acentua mais um enfoque que o outro, mas sempre tem os dois), sua diferença é importante. O enfoque dogmático releva o ato de opinar e ressalva algumas das opiniões. O zetético, ao contrário, desintegra, dissolve as opiniões, pondo-as em dúvida.

Questões zetéticas têm uma função especulativa explícita e são infinitas. Questões dogmáticas têm uma função diretiva explícita e são finitas. Nas primeiras, o problema tematizado é configurado como um ser (que é algo?). Nas segundas, a situação nelas captada configura-se como um dever-ser (como deve-ser algo?). Por isso, o enfoque zetético visa saber o que é uma coisa. Já o enfoque dogmático preocupa-se em possibilitar uma decisão e orientar a ação. (...) O importante aqui é a ideia de que uma investigação zetética tem como ponto de partida uma evidência, que pode ser frágil ou plena. E nisso ela se distingue de uma investigação dogmática. Em ambas, alguma coisa tem de ser subtraída à dúvida, para que a investigação se proceda. Enquanto, porém, a zetética deixa de questionar certos enunciados porque os admite como verificáveis e comprováveis, a dogmática não questiona suas premissas, porque elas foram estabelecidas (por um arbítrio, por um ato de vontade ou de poder) como inquestionáveis. Nesse sentido, a zetética parte de evidências, a dogmática parte de dogmas. Propomos, pois, que uma premissa é evidente quando está relacionada a uma verdade; é dogmática, quando relacionada a uma dúvida que, não podendo ser substituída por uma evidência, exige uma decisão. A primeira não se questiona, porque admitimos sua verdade, ainda que precariamente, embora sempre sujeita a verificações. A segunda, porque, diante de uma dúvida, seríamos levados à paralisia da ação: de um dogma não se questiona não porque ele veicula uma verdade, mas porque ele impõe uma certeza sobre algo que continua duvidoso.”

Assim, temos que a Ciência Jurídica pode ser analisada sob dois prismas, conhecidos como zetética e dogmática.

A zetética visa a saber o que é algo, tendo função especulativa explícita. Traz problematicidade para os conceitos.

A dogmática visa a saber como deve ser algo, tendo função diretiva e orientadora da ação. Parte da existência de premissas que não podem ser colocadas em dúvida. O enfoque dogmático é mais fechado que o zetético, pois se prende a conceitos fixados.

Por outro lado, tem-se que as correntes filosóficas do Direito buscam definir o conteúdo desse ramo do conhecimento humano, suas fontes, o modo de abordá-lo e de interpretá-lo. Dividem-se historicamente em três grandes grupos: jusnaturalismo, juspositivismo (positivismo jurídico) e pós-positivismo.

O termo jusnaturalismo identifica a corrente da filosofia do Direito fundada na existência de um Direito natural, nada obstante o vocábulo alcance fases históricas diversas e conteúdos heterogêneos. A ideia básica está no reconhecimento de um conjunto de valores que têm validade em si e são legitimados por uma ética superior (direitos naturais, inatos). Independem do Estado e do direito positivo; ao revés, esses direitos estabelecem limites à própria norma estatal (BARROSO, 2019).

São duas as versões mais influentes: (a) a de leis eternas e universais estabelecidas pela vontade de Deus, característica do pensamento helênico e de Santo Tomás de Aquino (jusnaturalismo clássico); e (b) a de leis ditadas pela razão humana, afastado o vínculo teológico, ideia inicialmente associada à doutrina de HUGO GRÓCIO (1625) (jusnaturalismo racional ou moderno) (BARROSO, 2019).

b) O atual momento da atividade jurisdicional no Brasil é marcado pelo reconhecimento da indeterminação do Direito. Reconhece-se a importância da segurança jurídica, mas confere-se tratamento especial aos princípios jurídicos, principalmente para a resolução de casos difíceis.

Questiona-se, ainda, a atividade do legislador, que não é onisciente nem ostenta dons premonitórios para abarcar, na norma, todas as possibilidades a serem concretizadas na realidade prática.

Embora no Brasil a aplicação da lei positivada se sobreponha a outras fontes do Direito (dogmática da norma positivada), reconhece-se cada vez mais a influência da zetética para demonstrar a interrelação do Direito com a moral, a sociologia, a ciência política e a filosofia.

Essa mesma discussão pode levar à reflexão envolvendo as escolas do pensamento jurídico, correlacionando-se a zetética com o jusnaturalismo, em face das considerações por justiça, e não apenas por validade da norma jurídica.

Nesse cenário, pode-se afirmar que a jurisprudência no Brasil, em especial dos Tribunais Superiores, vem observando tendência contrária à percepção estática do dogmatismo formalista, como se nota em decisões importantes a exemplo da imposição de vedação a que parlamentares assumam a chefia temporária do Executivo, quando réus em processos criminais, imposição de contornos à delimitação da função social das diversas categorias jurídicas (empresa, contrato, propriedade) e da análise da extensão da boa-fé no âmbito civilista.