Abre-te Sésamo
A freira estava na fila uns bons 30 minutos. Sobraçava uma pasta de couro quase maior do que ela. O hábito lhe cobria o corpo miúdo, dos pés à cabeça. Deveria ter uns 80 anos. Quando chegou ao caixa, seu nariz mal tocava a superfície do guichê. Ela disse baixinho, como numa reza, o que pretendia, e o caixa estendeu-lhe uma caixinha presa a um fio, cheia de teclas, e sentenciou: “Digite a senha”. Ela ficou em silêncio, humilhada. Apertou a pasta ainda mais no braço miúdo e, sem revolta, mas com um olhar de impotência, fugiu dali. [...]
O homem é moderno na medida das senhas que ele é escravo para ter acesso à vida. Não é mais senhor de seu direito constitucional de ir-e-vir. A senha é a senhora absoluta. Sem senha, você fica sem seu próprio dinheiro ou até sem a vida. [...] No cofre do hotel, são quatro algarismos; no seu home bank, seis; mas para trabalhar no computador da empresa, você tem que digitar oito vezes, letras e algarismos. A porta do meu carro tem senha; o alarme do seu, também. Cada um de nossos cartões tem senha. Se você chamar o atendimento telefônico do seu banco, vai ter que dar a senha. No telefone do hotel, você só desvenda os recados se digitar a senha. Na Internet são dezenas de senhas. [...]
Se for sensato, você percebe que sua memória não pode ser ocupada com tanta baboseira inútil. Seus neurônios precisam ter finalidade nobre. Têm que guardar, sim, os bons momentos da vida. Aquela noite maravilhosa, aquele pôr-do-sol único, aquele cheiro de chuva da infância, o perfume daquele vinho. [...]
Então, desesperado, você descarrega tudo na sua agenda eletrônica, num lugar secreto que só senha abre. Agora só falta descobrir em que lugar secreto você vai guardar a senha do lugar secreto que você guarda as senhas. Numa caverna secreta, como as do Afeganistão, Ali Babá, com uma única senha, abria as portas de todos os seus tesouros. Bastava gritar “Abre-te Sésamo!” O homem antigo era mais prático.
Alexandre Garcia (com adaptações)
Todas as afirmações abaixo estão corretas, exceto: